Aristóteles.
A Vida e as Obras
Este grande filósofo
grego, filho de Nicômaco, médico de Amintas, rei da Macedônia, nasceu em
Estagira, colônia grega da Trácia, no litoral setentrional do mar Egeu, em 384
a.C. Aos dezoito anos, em 367, foi para Atenas e ingressou na academia
platônica, onde ficou por vinte anos, até à morte do Mestre. Nesse período
estudou também os filósofos pré-platônicos, que lhe foram úteis na construção
do seu grande sistema.
Em 343 foi convidado
pelo Rei Filipe para a corte de Macedônia, como preceptor do Príncipe
Alexandre, então jovem de treze anos. Aí ficou três anos, até à famosa
expedição asiática, conseguindo um êxito na sua missão educativo-política, que
Platão não conseguiu, por certo, em Siracusa. De volta a Atenas, em 335, treze
anos depois da morte de Platão, Aristóteles fundava, perto do templo de Apolo
Lício, a sua escola. Daí o nome de Liceu dado à sua escola,
também chamada peripatética devido ao costume de dar lições,
em amena palestra, passeando nos umbrosos caminhos do ginásio de Apolo. Esta
escola seria a grande rival e a verdadeira herdeira da velha e gloriosa
academia platônica. Morto Alexandre em 323, desfez-se politicamente o seu
grande império e despertaram-se em Atenas os desejos de independência,
estourando uma reação nacional, chefiada por Demóstenes. Aristóteles, malvisto
pelos atenienses, foi acusado de ateísmo. Preveniu ele a condenação,
retirando-se voluntariamente para Eubéia, Aristóteles faleceu, após
enfermidade, no ano seguinte, no verão de 322. Tinha pouco mais de 60 anos de
idade. A respeito docaráter de Aristóteles, inteiramente recolhido
na elaboração crítica do seu sistema filosófico, sem se deixar distrair por motivos
práticos ou sentimentais, temos naturalmente muito menos a revelar do que em
torno do caráter de Platão, em que, ao contrário, os motivos políticos, éticos,
estéticos e místicos tiveram grande influência. Do diferente caráter dos dois
filósofos, dependem também as vicissitudes exteriores das duas vidas, mais
uniforme e linear a de Aristóteles, variada e romanesca a de Platão.
Aristóteles foi essencialmente um homem de cultura, de estudo, de pesquisas, de
pensamento, que se foi isolando da vida prática, social e política, para se
dedicar à investigação científica. A atividade literária de Aristóteles foi
vasta e intensa, como a sua cultura e seu gênio universal. "Assimilou
Aristóteles escreve magistralmente Leonel Franca todos os conhecimentos anteriores
e acrescentou-lhes o trabalho próprio, fruto de muita observação e de profundas
meditações. Escreveu sobre todas as ciências, constituindo algumas desde os
primeiros fundamentos, organizando outras em corpo coerente de doutrinas e
sobre todas espalhando as luzes de sua admirável inteligência. Não lhe faltou
nenhum dos dotes e requisitos que constituem o verdadeiro filósofo:
profundidade e firmeza de inteligência, agudeza de penetração, vigor de
raciocínio, poder admirável de síntese, faculdade de criação e invenção aliados
a uma vasta erudição histórica e universalidade de conhecimentos científicos. O
grande estagirita explorou o mundo do pensamento em todas as suas direções.
Pelo elenco dos principais escritos que dele ainda nos restam, poder-se-á
avaliar a sua prodigiosa atividade literária". A primeira edição completa
das obras de Aristóteles é a de Andronico de Rodes pela metade
do último século a.C. substancialmente autêntica, salvo uns apócrifos e umas
interpolações. Aqui classificamos as obras doutrinais de Aristóteles do modo
seguinte, tendo presente a edição de Andronico de Rodes.
I. Escritos
lógicos: cujo conjunto foi denominado Órganon mais tarde,
não por Aristóteles. O nome, entretanto, corresponde muito bem à intenção do
autor, que considerava a lógica instrumento da ciência.
II. Escritos
sobre a física: abrangendo a hodierna cosmologia e a antropologia, e
pertencentes à filosofia teorética, juntamente com a metafísica.
III. Escritos
metafísicos: a Metafísica famosa, em catorze livros. É uma compilação feita
depois da morte de Aristóteles mediante seus apontamentos manuscritos,
referentes à metafísica geral e à teologia. O nome de metafísica é
devido ao lugar que ela ocupa na coleção de Andrônico, que a colocou depois
da física.
IV. Escritos
morais e políticos: a Ética a Nicômaco, em dez livros,
provavelmente publicada por Nicômaco, seu filho, ao qual é dedicada; a Ética
a Eudemo, inacabada, refazimento da ética de Aristóteles, devido a Eudemo;
a Grande Ética, compêndio das duas precedentes, em especial da
segunda; a Política, em oito livros, incompleta.
V. Escritos
retóricos e poéticos: a Retórica, em três livros; a Poética,
em dois livros, que, no seu estado atual, é apenas uma parte da obra de
Aristóteles. As obras de Aristóteles as doutrinas que nos restam - manifestam
um grande rigor científico, sem enfeites míticos ou poéticos, exposição e
expressão breve e aguda, clara e ordenada, perfeição maravilhosa da
terminologia filosófica, de que foi ele o criador.
O
Pensamento: A Gnosiologia
Segundo
Aristóteles, a filosofia é essencialmente teorética: deve
decifrar o enigma do universo, em face do qual a atitude inicial do espírito é
o assombro do mistério. O seu problema fundamental é o problema do ser, não o
problema da vida. O objeto próprio da filosofia, em que está a solução do seu
problema, são as essências imutáveis e a razão última das coisas, isto é, o
universal e o necessário, as formas e suas relações. Entretanto, as formas são
imanentes na experiência, nos indivíduos, de que constituem a essência. A
filosofia aristotélica é, portanto, conceptual como a de Platão mas parte da
experiência; é dedutiva, mas o ponto de partida da dedução é tirado - mediante
o intelecto da experiência. A filosofia, pois, segundo Aristóteles,
dividir-se-ia em teorética, prática e poética,
abrangendo, destarte, todo o saber humano, racional. A teorética, por sua vez,
divide-se emfísica, matemática e filosofia
primeira(metafísica e teologia); a filosofia prática divide-se eméticae política;
a poética em estética e técnica. Aristóteles é o
criador da lógica, como ciência especial, sobre a base
socrático-platônica; é denominada por ele analítica e
representa a metodologia científica. Trata Aristóteles os problemas lógicos e
gnosiológicos no conjunto daqueles escritos que tomaram mais tarde o nome
de Órganon. Limitar-nos-emos mais especialmente aos problemas
gerais da lógica de Aristóteles, porque aí está a suagnosiologia. Foi
dito que, em geral, a ciência, a filosofia - conforme Aristóteles, bem como
segundo Platão - tem como objeto o universal e o necessário; pois não pode
haver ciência em torno do individual e do contingente, conhecidos
sensivelmente. Sob o ponto de vista metafísico, o objeto da ciência
aristotélica é aforma, como idéia era o objeto da ciência platônica. A
ciência platônica e aristotélica são, portanto, ambas objetivas, realistas:
tudo que se pode aprender precede a sensação e é independente dela. No sentido
estrito, a filosofia aristotélica é dedução do particular pelo
universal, explicação do condicionado mediante a condição, porquanto o primeiro
elemento depende do segundo. Também aqui se segue a ordem da realidade, onde o
fenômeno particular depende da lei universal e o efeito da causa. Objeto
essencial da lógica aristotélica é precisamente este processo de derivação
ideal, que corresponde a uma derivação real. A lógica aristotélica, portanto,
bem como a platônica, é essencialmente dedutiva, demonstrativa, apodíctica. O
seu processo característico, clássico, é o silogismo. Os elementos primeiros,
os princípios supremos, as verdades evidentes, consoante Platão,
são fruto de uma visão imediata, intuição intelectual, em relação com a sua
doutrina do contato imediato da alma com as idéias - reminiscência. Segundo
Aristóteles, entretanto, de cujo sistema é banida toda forma de inatismo,
também os elementos primeiros do conhecimento - conceito e juízos - devem ser,
de um modo e de outro, tirados da experiência, da representação sensível, cuja
verdade imediata ele defende, porquanto os sentidos por si nunca nos enganam. O
erro começa de uma falsa elaboração dos dados dos sentidos: a sensação, como o
conceito, é sempre verdadeira. Por certo, metafisicamente, ontologicamente, o
universal, o necessário, o inteligível, é anterior ao particular, ao
contigente, ao sensível: mas, gnosiologicamente, psicologicamente existe
primeiro o particular, o contigente, o sensível, que constituem precisamente o
objeto próprio do nosso conhecimento sensível, que é o nosso primeiro
conhecimento. Assim sendo, compreende-se que Aristóteles, ao lado e em
conseqüência da doutrina de dedução, seja constrangido a elaborar, na lógica,
uma doutrina da indução. Por certo, ela não está efetivamente acabada, mas
pode-se integrar logicamente segundo o espírito profundo da sua filosofia.
Quanto aos elementos primeiros do conhecimento racional, a saber, os conceitos,
a coisa parece simples: a indução nada mais é que a abstração
do conceito, do inteligível, da representação sensível, isto é, a
"desindividualização" do universal do particular, em que o universal
é imanente. A formação do conceito é, a posteriori, tirada da
experiência. Quanto ao juízo, entretanto, em que unicamente temos ou não temos
a verdade, e que é o elemento constitutivo da ciência, a coisa parece mais
complicada. Como é que se formam os princípios da demonstração, os juízos
imediatamente evidentes, donde temos a ciência? Aristóteles reconhece que é
impossível uma indução completa, isto é, uma resenha de todos os casos os
fenômenos particulares para poder tirar com certeza absoluta leis universais
abrangendo todas as essências. Então só resta possível uma indução incompleta,
mas certíssima, no sentido de que os elementos do juízo os conceitos são
tirados da experiência, a posteriori, seu nexo, porém, é a
priori, analítico, colhido imediatamente pelo intelecto humano mediante a
sua evidência, necessidade objetiva.
Filosofia
de Aristóteles
Partindo
como Platão do mesmo problema acerca do valor objetivo dos conceitos, mas
abandonando a solução do mestre, Aristóteles constrói um sistema inteiramente
original. Os caracteres desta grande síntese são:
1. Observação
fiel da natureza - Platão, idealista, rejeitara a
experiência como fonte de conhecimento certo. Aristóteles, mais positivo, toma
sempre o fato como ponto de partida de suas teorias, buscando na realidade um
apoio sólido às suas mais elevadas especulações metafísicas.
2. Rigor
no método - Depois de estudas as leis do pensamento, o
processo dedutivo e indutivo aplica-os, com rara habilidade, em todas as suas
obras, substituindo à linguagem imaginosa e figurada de Platão, em estilo
lapidar e conciso e criando uma terminologia filosófica de precisão admirável.
Pode considerar-se como o autor da metodologia e tecnologia científicas.
Geralmente, no estudo de uma questão, Aristóteles procede por partes: a) começa
a definir-lhe o objeto; b)passa a enumerar-lhes as soluções
históricas; c)propõe depois as dúvidas; d) indica,
em seguida, a própria solução;e) refuta, por último, as sentenças
contrárias.
3. Unidade
do conjunto - Sua vasta obra filosófica constitui um verdadeiro sistema,
uma verdadeira síntese. Todas as partes se compõem, se
correspondem, se confirmam.
A
Teologia
Objeto
próprio da teologia é o primeiro motor imóvel, ato puro, o
pensamento do pensamento, isto é, Deus, a quem Aristóteles chega através de uma
sólida demonstração, baseada sobre a imediata experiência,
indiscutível, realidade do vir-a-ser, da passagem da potência ao ato. Este
vir-a-ser, passagem da potência ao ato, requer finalmente um não-vir-a-ser,
motor imóvel, um motor já em ato, um ato puro enfim, pois, de outra forma teria
que ser movido por sua vez. A necessidade deste primeiro motor imóvel não é
absolutamente excluída pela eternidade do vir-a-ser, do movimento, do mundo.
Com efeito, mesmo admitindo que o mundo seja eterno, isto é, que não tem
princípio e fim no tempo, enquanto é vir-a-ser, passagem da potência ao ato,
fica eternamente inexplicável, contraditório, sem um primeiro motor imóvel,
origem extra-temporal, causa absoluta, razão metafísica de todo devir. Deus, o
real puro, é aquilo que move sem ser movido; a matéria, o possível puro, é
aquilo que é movido, sem se mover a si mesmo.
Da
análise do conceito de Deus, concebido como primeiro motor imóvel, conquistado
através do precedente raciocínio, Aristóteles, pode deduzir logicamente a natureza essencial
de Deus, concebido, antes de tudo, como ato puro, e, consequentemente, como
pensamento de si mesmo. Deus é unicamente pensamento, atividade teorética, no
dizer de Aristóteles, enquanto qualquer outra atividade teria fim extrínseco,
incompatível com o ser perfeito, auto-suficiente. Se o agir, o querer têm
objeto diverso do sujeito agente e "querente", Deus não pode agir e
querer, mas unicamente conhecer e pensar, conhecer a si próprio e pensar em si
mesmo. Deus é, portanto, pensamento de pensamento, pensamento de si, que é
pensamento puro. E nesta autocontemplação imutável e ativa, está a beatitude
divina.
Se
Deus é mera atividade teorética, tendo como objeto unicamente a própria
perfeição, não conhece o mundo imperfeito, e menos ainda opera
sobre ele. Deus não atua sobre o mundo, voltando-se para ele, com o pensamento
e a vontade; mas unicamente como o fim último, atraente, isto é, como causa
final, e, por conseqüência, e só assim, como causa eficiente e formal
(exemplar). De Deus depende a ordem, a vida, a racionalidade do mundo; ele,
porém, não é criador, nem providência do mundo. Em Aristóteles o pensamento
grego conquista logicamente a transcendência de Deus; mas, no mesmo tempo,
permanece o dualismo, que vem anular aquele mesmo Absoluto a que logicamente
chegara, para dar uma explicação filosófica da relatividade do mundo pondo ao
seu lado esta realidade independente dele.
A
Moral
Aristóteles
trata da moral em três Éticas, de que se falou
quando das obras dele. Consoante sua doutrina metafísica fundamental, todo ser
tende necessariamente à realização da sua natureza, à atualização plena da sua
forma: e nisto está o seu fim, o seu bem, a sua felicidade, e, por
conseqüência, a sua lei. Visto ser a razão a essência característica do homem,
realiza ele a sua natureza vivendo racionalmente e senso disto consciente. E
assim consegue ele a felicidade e a virtude, isto é, consegue a felicidade mediante
a virtude, que é precisamente uma atividade conforme à razão, isto é, uma
atividade que pressupõe o conhecimento racional. Logo, o fim do homem é a
felicidade, a que é necessária à virtude, e a esta é necessária a razão. A
característica fundamental da moral aristotélica é, portanto, o racionalismo,
visto ser a virtude ação consciente segundo a razão, que exige o conhecimento
absoluto, metafísico, da natureza e do universo, natureza segundo a qual e na
qual o homem deve operar.
As
virtudes éticas, morais, não são mera atividade racional, como as virtudes
intelectuais, teoréticas; mas implicam, por natureza, um elemento sentimental,
afetivo, passional, que deve ser governado pela razão, e não pode, todavia, ser
completamente resolvido na razão. A razão aristotélica governa, domina as
paixões, não as aniquila e destrói, como queria o ascetismo platônico. A
virtude ética não é, pois, razão pura, mas uma aplicação da razão; não é
unicamente ciência, mas uma ação com ciência.
Uma
doutrina aristotélica a respeito da virtude doutrina que teve muita doutrina
prática, popular, embora se apresente especulativamente assaz discutível é
aquela pela qual a virtude é precisamente concebida como um justo meio entre
dois extremos, isto é, entre duas paixões opostas: porquanto o sentido poderia
esmagar a razão ou não lhe dar forças suficientes. Naturalmente, este justo
meio, na ação de um homem, não é abstrato, igual para todos e sempre; mas
concreto, relativo a cada qual, e variável conforme as circunstâncias, as diversas
paixões predominantes dos vários indivíduos.
Pelo
que diz respeito à virtude, tem, ao contrário, certamente, maior valor uma
outra doutrina aristotélica: precisamente a da virtude concebida como hábito
racional. Se a virtude é, fundamentalmente, uma atividade segundo a razão,
mais precisamente é ela um hábito segundo a razão, um costume moral, uma
disposição constante, reta, da vontade, isto é, a virtude não é inata, como não
é inata a ciência; mas adquiri-se mediante a ação, a prática, o exercício e, uma
vez adquirida, estabiliza-se, mecaniza-se; torna-se quase uma segunda natureza
e, logo, torna-se de fácil execução - como o vício.
Como
já foi mencionado, Aristóteles distingue duas categorias fundamentais de
virtudes: as éticas, que constituem propriamente o objeto da moral,
e as dianoéticas, que a transcendem. É uma distinção e uma
hierarquia, que têm uma importância essencial em relação a toda a filosofia e
especialmente à moral. As virtudes intelectuais, teoréticas, contemplativas,
são superiores às virtudes éticas, práticas, ativas. Noutras palavras,
Aristóteles sustenta o primado do conhecimento, do intelecto, da filosofia,
sobre a ação, a vontade, a política.
A
Política
A política aristotélica
é essencialmente unida à moral, porque o fim último do estado é a virtude, isto
é, a formação moral dos cidadãos e o conjunto dos meios necessários para isso.
O estado é um organismo moral, condição e complemento da atividade moral
individual, e fundamento primeiro da suprema atividade contemplativa. A
política, contudo, é distinta da moral, porquanto esta tem como objetivo o
indivíduo, aquela a coletividade. A ética é a doutrina moral individual, a
política é a doutrina moral social. Desta ciência trata Aristóteles
precisamente na Política, de que acima se falou.
O
estado, então, é superior ao indivíduo, porquanto a coletividade é superior ao
indivíduo, o bem comum superior ao bem particular. Unicamente no estado
efetua-se a satisfação de todas as necessidades, pois o homem, sendo
naturalmente animal social, político, não pode realizar a sua perfeição sem a
sociedade do estado.
Visto
que o estado se compõe de uma comunidade de famílias, assim como estas se
compõem de muitos indivíduos, antes de tratar propriamente do estado será
mister falar da família, que precede cronologicamente o estado, como as partes
precedem o todo. Segundo Aristóteles, a família compõe-se de
quatro elementos: os filhos, a mulher, os bens, os escravos; além,
naturalmente, do chefe a que pertence a direção da família. Deve ele guiar os
filhos e as mulheres, em razão da imperfeição destes. Deve fazer frutificar
seus bens, porquanto a família, além de um fim educativo, tem também um fim
econômico. E, como ao estado, é-lhe essencial a propriedade, pois os homens têm
necessidades materiais. No entanto, para que a propriedade seja produtora, são
necessários instrumentos inanimados e animados; estes últimos seriam os
escravos.
Aristóteles
não nega a natureza humana ao escravo; mas constata que na sociedade são
necessários também os trabalhos materiais, que exigem indivíduos particulares,
a que fica assim tirada fatalmente a possibilidade de providenciar a cultura da
alma, visto ser necessário, para tanto, tempo e liberdade, bem como aptas
qualidades espirituais, excluídas pelas próprias características qualidades
materiais de tais indivíduos. Daí a escravidão.
Vejamos,
agora, o estadoem particular. O estado surge, pelo fato de ser o
homem um animal naturalmente social, político. O estado provê, inicialmente, a
satisfação daquelas necessidades materiais, negativas e positivas, defesa e
segurança, conservação e engrandecimento, de outro modo irrealizáveis. Mas o
seu fim essencial é espiritual, isto é, deve promover a virtude e,
conseqüentemente, a felicidade dos súditos mediante a ciência.
Compreende-se,
então, como seja tarefa essencial do estado a educação, que deve desenvolver
harmônica e hierarquicamente todas as faculdades: antes de tudo as espirituais,
intelectuais e, subordinadamente, as materiais, físicas. O fim da educação é
formar homens mediante as artes liberais, importantíssimas a poesia e a música,
e não máquinas, mediante um treinamento profissional. Eis porque Aristóteles,
como Platão, condena o estado que, ao invés de se preocupar com uma pacífica
educação científica e moral, visa a conquista e a guerra. E critica, dessa
forma, a educação militar de Esparta, que faz da guerra a tarefa precípua do
estado, e põe a conquista acima da virtude, enquanto a guerra, como o trabalho,
são apenas meios para a paz e o lazer sapiente.
Não
obstante a sua concepção ética do estado, Aristóteles, diversamente de Platão,
salva o direito privado, a propriedade particular e a família. O comunismo como
resolução total dos indivíduos e dos valores no estado é fantástico e
irrealizável. O estado não é uma unidade substancial, e sim uma síntese de
indivíduos substancialmente distintos. Se se quiser a unidade absoluta, será
mister reduzir o estado à família e a família ao indivíduo; só este último
possui aquela unidade substancial que falta aos dois precedentes. Reconhece
Aristóteles a divisão platônica das castas, e, precisamente, duas classes
reconhece: a dos homens livres, possuidores, isto é, a dos cidadãos e a dos
escravos, dos trabalhadores, sem direitos políticos.
Quanto
à forma exterior do estado, Aristóteles distingue três principais: a monarquia,
que é o governo de um só, cujo caráter e valor estão na unidade, e cuja
degeneração é a tirania; a aristocracia, que é o governo de poucos,
cujo caráter e valor estão na qualidade, e cuja degeneração é a oligarquia;
a democracia, que é o governo de muitos, cujo caráter e valor estão
na liberdade, e cuja degeneração é a demagogia. As preferências de Aristóteles
vão para uma forma de república democrático-intelectual, a forma de governo
clássica da Grécia, particularmente de Atenas. No entanto, com o seu profundo
realismo, reconhece Aristóteles que a melhor forma de governo não é abstrata, e
sim concreta: deve ser relativa, acomodada às situações históricas, às
circunstâncias de um determinado povo. De qualquer maneira a condição
indispensável para uma boa constituição, é que o fim da atividade estatal deve
ser o bem comum e não a vantagem de quem governa despoticamente.
A
Religião
Com
Aristóteles afirma-se o teísmo do ato puro. No entanto, este Deus, pelo seu
efetivo isolamento do mundo, que ele não conhece, não cria, não governa, não
está em condições de se tornar objeto de religião, mais do que as
transcendentes idéias platônicas. E não fica nenhum outro objeto religioso.
Também Aristóteles, como Platão, se exclui filosoficamente o antropomorfismo,
não exclui uma espécie de politeísmo, e admite, ao lado do Ato Puro e a ele
subordinado, os deuses astrais, isto é, admite que os corpos celestes são
animados por espíritos racionais. Entretanto, esses seres divinos não parecem e
não podem ter função religiosa e sem física.
Não
obstante esta concepção filosófica da divindade, Aristóteles admite a religião
positiva do povo, até sem correção alguma. Explica e justifica a religião
positiva, tradicional, mítica, como obra política para moralizar o povo, e como
fruto da tendência humana para as representações antropomórficas; e não diz que
ela teria um fundamento racional na verdade filosófica da existência da
divindade, a que o homem se teria facilmente elevado através do espetáculo da
ordem celeste.
Aristóteles
como Platão considera a arte como imitação, de conformidade
com o fundamental realismo grego. Não, porém, imitação de uma imitação, como é
o fenômeno, o sensível, platônicos; e sim imitação direta da própria idéia, do
inteligível imanente no sensível, imitação da forma imanente na matéria. Na
arte, esse inteligível, universal é encarnado, concretizado num sensível, num
particular e, destarte, tornando intuitivo, graças ao artista. Por isso,
Aristóteles considera a arte a poesia de Homero que tem por conteúdo o
universal, o imutável, ainda que encarnado fantasticamente num particular, como
superior à história e mais filosófica do que a história de Heródoto que tem
como objeto o particular, o mutável, seja embora real. O objeto da arte não é o
que aconteceu uma vez como é o caso da história , mas o
que por natureza deve, necessária e universalmente, acontecer. Deste seu
conteúdo inteligível, universal, depende a eficácia espiritual pedagógica,
purificadora da arte.
Se
bem que a arte seja imitação da realidade no seu elemento essencial, a forma, o
inteligível, este inteligível recebe como que uma nova vida através da fantasia
criadora do artista, isto precisamente porque o inteligível, o universal, deve
ser encarnado, concretizado pelo artista num sensível, num particular. As leis
da obra de arte serão, portanto, além de imitação do universal verossimilhança
e necessidade coerência interior dos elementos da representação artística,
íntimo sentimento do conteúdo, evidência e vivacidade de expressão. A arte é,
pois, produção mediante a imitação; e a diferença entre as várias artes é
estabelecida com base no objeto ou no instrumento de tal imitação.
A
Metafísica
A metafísica aristotélica
é "a ciência do ser como ser, ou dos princípios e das causas do ser e de
seus atributos essenciais". Ela abrange ainda o ser imóvel e incorpóreo,
princípio dos movimentos e das formas do mundo, bem como o mundo mutável e
material, mas em seus aspectos universais e necessários. Exporemos portanto,
antes de tudo, as questões gerais da metafísica, para depois chegarmos àquela
que foi chamada, mais tarde, metafísica especial; tem esta como objeto o mundo
que vem-a-ser - natureza e homem - e culmina no que não pode vir-a-ser, isto é,
Deus. Podem-se reduzir fundamentalmente a quatro as questões gerais da
metafísica aristotélica: potência e ato, matéria e forma, particular e
universal, movido e motor. A primeira e a última abraçam todo o ser, a segunda
e a terceira todo o ser em que está presente a matéria.
I. A
doutrina da potência e do ato é fundamental na metafísica
aristotélica: potência significa possibilidade, capacidade de ser, não-ser
atual; e ato significa realidade, perfeição, ser efetivo. Todo ser, que não
seja o Ser perfeitíssimo, é portanto uma síntese - um sínolo -
de potência e de ato, em diversas proporções, conforme o grau de perfeição, de
realidade dos vários seres. Um ser desenvolve-se, aperfeiçoa-se, passando da
potência ao ato; esta passagem da potência ao ato é atualização de uma possibilidade,
de uma potencialidade anterior. Esta doutrina fundamental da potência e do ato
é aplicada - e desenvolvida - por Aristóteles especialmente quando da doutrina
da matéria e da forma, que representam a potência e o ato no mundo, na natureza
em que vivemos. Desta doutrina da matéria e da forma, vamos logo falar.
II. Aristóteles
não nega o vir-a-ser de Heráclito, nem o ser de Parmênides, mas une-os em uma
síntese conclusiva, já iniciada pelos últimos pré-socráticos e grandemente
aperfeiçoada por Demócrito e Platão. Segundo Aristóteles, a mudança, que é
intuitiva, pressupõe uma realidade imutável, que é de duas espécies. Um
substrato comum, elemento imutável da mudança, em que a mudança se realiza; e
as determinações que se realizam neste substrato, a essência, a natureza que
ele assume. O primeiro elemento é chamado matéria (prima), o
segundo forma (substancial). O primeiro é potência,
possibilidade de assumir várias formas, imperfeição; o segundo é atualidade -
realizadora, especificadora da matéria - , perfeição. A síntese - o sinolo -
da matéria e da forma constitui a substância, e esta, por sua vez, é o
substrato imutável, em que se sucedem os acidentes, as qualidades acidentais. A
mudança, portanto, consiste ou na sucessão de várias formas na mesma essência,
forma concretizada da matéria, que constitui precisamente a substância.
A
matéria sem forma, a pura matéria, chamada matéria-prima, é um mero possível,
não existe por si, é um absolutamente interminado, em que a forma introduz as
determinações. A matéria aristotélica, porém, não é o puro não-ser de Platão,
mero princípio de decadência, pois ela é também condição indispensável para
concretizar a forma, ingrediente necessário para a existência da realidade
material, causa concomitante de todos os seres reais.
Então
não existe, propriamente, a forma sem a matéria, ainda que a forma seja
princípio de atuação e determinação da própria matéria. Com respeito à matéria,
a forma é, portanto, princípio de ordem e finalidade, racional, inteligível.
Diversamente da idéia platônica, a forma aristotélica não é separada da
matéria, e sim imanente e operante nela. Ao contrário, as formas aristotélicas
são universais, imutáveis, eternas, como as idéias platônicas.
Os
elementos constitutivos da realidade são, portanto, a forma e a matéria. A
realidade, porém, é composta de indivíduos, substâncias, que são uma síntese -
umsínolo - de matéria e forma. Por conseqüência, estes dois
princípios não são suficientes para explicar o surgir dos indivíduos e das
substâncias que não podem ser atuados - bem como a matéria não pode ser atuada
- a não ser por um outro indivíduo, isto é, por uma substância em ato. Daí a
necessidade de um terceiro princípio, a causa eficiente, para poder
explicar a realidade efetiva das coisas. A causa eficiente, por sua vez, deve
operar para um fim, que é precisamente a síntese da forma e da matéria,
produzindo esta síntese o indivíduo. Daí uma quarta causa, a causa
final, que dirige a causa eficiente para a atualização da matéria mediante
a forma.
III. Mediante
a doutrina da matéria e da forma, Aristóteles explica o indivíduo, a substância
física, a única realidade efetiva no mundo, que é precisamente síntese - sínolo -
de matéria e de forma. A essência - igual em todos os indivíduos de uma mesma
espécie - deriva da forma; a individualidade, pela qual toda substância é
original e se diferencia de todas as demais, depende da matéria. O indivíduo é,
portanto, potência realizada, matéria enformada, universal particularizado.
Mediante esta doutrina é explicado o problema do universal e
do particular, que tanto atormenta Platão; Aristóteles faz o
primeiro - a idéia - imanente no segundo - a matéria, depois de ter eficazmente
criticado o dualismo platônico, que fazia os dois elementos transcendentes e
exteriores um ao outro.
IV. Da
relação entre a potência e o ato, entre a matéria e a forma, surge o movimento,
a mudança, o vir-a-ser, a que é submetido tudo que tem matéria, potência. A
mudança é, portanto, a realização do possível. Esta realização do possível,
porém, pode ser levada a efeito unicamente por um ser que já está em ato, que
possui já o que a coisa movida deve vir-a-ser, visto ser impossível que o menos
produza o mais, o imperfeito o perfeito, a potência o ato, mas vice-versa.
Mesmo que um ser se mova a si mesmo, aquilo que move deve ser diverso daquilo
que é movido, deve ser composto de um motor e de uma coisa movida. Por exemplo,
a alma é que move o corpo. O motor pode ser unicamente ato, forma; a coisa
movida - enquanto tal - pode ser unicamente potência, matéria. Eis a grande
doutrina aristotélica do motor e da coisa movida,
doutrina que culmina no motor primeiro, absolutamente imóvel, ato puro, isto é,
Deus.
A
Psicologia
Objeto
geral da psicologia aristotélica é o mundo animado, isto é, vivente, que tem
por princípio a alma e se distingue essencialmente do mundo inorgânico, pois, o
ser vivo diversamente do ser inorgânico possui internamente o princípio da sua
atividade, que é precisamente a alma, forma do corpo. A característica
essencial e diferencial da vida e da planta, que tem por princípio a alma
vegetativa, é a nutrição e a reprodução. A característica da vida animal,
que tem por princípio a alma sensitiva, é precisamente a
sensibilidade e a locomoção. Enfim, a característica da vida do homem, que tem
por princípio a alma racional, é o pensamento. Todas estas três
almas são objeto da psicologia aristotélica. Aqui nos limitamos à psicologia
racional, que tem por objeto específico o homem, visto que a alma racional
cumpre no homem também as funções da vida sensitiva e vegetativa; e, em geral,
o princípio superior cumpre as funções do princípio inferior. De sorte que,
segundo Aristóteles diversamente de Platão todo ser vivo tem uma só alma, ainda
que haja nele funções diversas faculdades diversas porquanto se dão atos
diversos. E assim, conforme Aristóteles, diversamente de Platão, o corpo humano
não é obstáculo, mas instrumento da alma racional, que é a forma do corpo.
O
homem é uma unidade substancial de alma e de corpo, em que a primeira cumpre as
funções de forma em relação à matéria, que é constituída pelo segundo. O que
caracteriza a alma humana é a racionalidade, a inteligência, o pensamento, pelo
que ela é espírito. Mas a alma humana desempenha também as funções da alma
sensitiva e vegetativa, sendo superior a estas. Assim, a alma humana, sendo
embora uma e única, tem várias faculdades, funções, porquanto se manifesta
efetivamente com atos diversos. As faculdades fundamentais do espírito humano
são duas: teorética e prática, cognoscitiva e operativa, contemplativa e ativa.
Cada uma destas, pois, se desdobra em dois graus, sensitivo e intelectivo, se
se tiver presente que o homem é um animal racional, quer dizer, não é um
espírito puro, mas um espírito que anima um corpo animal.
O
conhecimento sensível, a sensação, pressupões um fato físico, a
saber, a ação do objeto sensível sobre o órgão que sente, imediata ou à
distância, através do movimento de um meio. Mas o fato físico transforma-se num
fato psíquico, isto é, na sensação propriamente dita, em virtude da específica
faculdade e atividade sensitivas da alma. O sentido recebe as qualidades
materiais sem a matéria delas, como a cera recebe a impressão do selo sem a sua
matéria. A sensação embora limitada é objetiva, sempre verdadeira com respeito
ao próprio objeto; a falsidade, ou a possibilidade da falsidade, começa com a
síntese, com o juízo. O sensível próprio é percebido por um só
sentido, isto é, as sensações específicas são percebidas, respectivamente,
pelos vários sentidos; o sensível comum, as qualidades gerais das
coisas tamanho, figura, repouso, movimento, etc. são percebidas por mais
sentidos. O senso comum é uma faculdade interna, tendo a
função de coordenar, unificar as várias sensações isoladas, que a ele confluem,
e se tornam, por isso, representações, percepções.
Acima
do conhecimento sensível está o conhecimento inteligível,
especificamente diverso do primeiro. Aristóteles aceita a essencial distinção
platônica entre sensação e pensamento, ainda que rejeite o inatismo platônico,
contrapondo-lhe a concepção do intelecto como tabula rasa, sem
idéias inatas. Objeto do sentido é o particular, o contingente, o mutável, o
material. Objeto do intelecto é o universal, o necessário, o imutável, o
imaterial, as essências, as formas das coisas e os princípios primeiros do ser,
o ser absoluto. Por conseqüência, a alma humana, conhecendo o imaterial, deve
ser espiritual e, quanto a tal, deve ser imperecível.
Analogamente
às atividades teoréticas, duas são as atividades práticas da alma: apetite e
vontade. O apetite é a tendência guiada pelo conhecimento
sensível, e é próprio da alma animal. Esse apetite é concebido precisamente
como sendo um movimento finalista, dependente do sentimento, que, por sua vez
depende do conhecimento sensível. A vontade é o impulso, o
apetite guiado pela razão, e é própria da alma racional. Como se vê, segundo
Aristóteles, a atividade fundamental da alma é teorética, cognoscitiva, e dessa
depende a prática, ativa, no grau sensível bem como no grau inteligível.
A
Cosmologia
Uma
questão geral da física aristotélica, como filosofia da
natureza, é a análise dos vários tipos de movimento, mudança, que
já sabemos ser passagem da potência ao ato, realização de uma possibilidade.
Aristóteles distingue quatro espécies de movimentos:
1. Movimento
substancial - mudança de forma, nascimento e morte;
2. Movimento
qualitativo - mudança de propriedade;
3. Movimento
quantitativo - acrescimento e diminuição;
4. Movimento
espacial - mudança de lugar, condicionando todas as demais espécies de
mudança.
Outra
especial e importantíssima questão da física aristotélica é a concernente ao
espaço e ao tempo, em torno dos quais fez ele investigações profundas. O espaço é
definido como sendo o limite do corpo, isto é, o limite imóvel do corpo
"circundante" com respeito ao corpo circundado. O tempo é
definido como sendo o número - isto é, a medida - do movimento segundo a razão,
o aspecto, do "antes" e do "depois". Admitidas as
precedentes concepções de espaço e de tempo - como sendo relações de
substâncias, de fenômenos - é evidente que fora do mundo não há espaço nem
tempo: espaço e tempo vazios são impensáveis.
Uma
terceira questão fundamental da filosofia natural de Aristóteles é a
concernente ao teleologismo - finalismo - por ele propugnado
com base na finalidade, que ele descortina em a natureza. "A
natureza faz, enquanto possível, sempre o que é mais belo". Fim de todo
devir é o desenvolvimento da potência ao ato, a realização da forma na matéria.
Quanto
às ciências químicas, físicas e especialmente astronômicas, as doutrinas
aristotélicas têm apenas um valor histórico, e são logicamente separáveis da
sua filosofia, que tem um valor teorético. Especialmente célebre é a sua
doutrina astronômica geocêntrica, que prestará a estrutura física à Divina
Comédia de Dante Alighieri.
Juízo
sobre Aristóteles
É
difícil aquilatar em sua justa medida o valor de Aristóteles. A influência
intelectual por ele até hoje exercida sobre o pensamento humano e à qual se não
pode comparar a de nenhum outro pensador dá-nos, porém, uma idéia da
envergadura de seu gênio excepcional. Criador da lógica, autor do primeiro
tratado de psicologia científica, primeiro escritor da história da filosofia,
patriarca das ciências naturais, metafísico, moralista, político, ele é o
verdadeiro fundador da ciência moderna e "ainda hoje está presente com sua
linguagem científica não somente às nossas cogitações, senão também à expressão
dos sentimentos e das idéias na vida comum e habitual".
Nem
por isso podemos deixar de apontar as lacunas do seu sistema. Sua moral, sem
obrigação nem sanção, é defeituosa e mais gravemente defeituosa ainda que a
teodicéia, sobretudo na parte que trata das relações de Deus com o mundo. O
dualismo primitivo e irredutível entre Deus, ato puro, e a matéria, princípio
potencial, é, na própria teoria aristotélica, uma verdadeira contradição e
deixa subsistir, como enigma insolúvel e inexplicável, a existência dos seres
fora de Deus.
Vista
Retrospectiva
Com
Sócrates entre a filosofia em seu caminho definitivo. O problema do objeto e da
possibilidade da ciência é posto em seus verdadeiros termos e resolvido, nas
suas linhas gerais, pela doutrina do conceito.Platão dá um passo além,
procurando determinar a relação entre o conceito e a realidade, mas encalha,
dum lado, nas dificuldades insolúveis de um realismo exagerado; de outro, nas
extravagâncias dum idealismo extremo. Aristóteles, com o seu espírito positivo
e observador, retoma o mesmo problema no pé em que o pusera Platão e dá-lhe,
pela teoria da abstração e da inteligência ativa, uma solução satisfatória e
definitiva nos grandes lineamentos. Em torno desta questão fundamental, que
entende com a metafísica, a psicologia e a lógica, se vão desenvolvendo
harmoniosamente as outras partes da filosofia até constituírem em Aristóteles
esta grandiosa síntese do saber universal, o mais precioso legado da
civilização grega que declinava à civilização ocidental que surgia.
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