Pitágoras.
Quem foi
Como a filosofia da natureza, assim a astronomia pitagórica
representa um progresso sobre a jônica. De fato, os pitagóricos afirmaram a
esfericidade da Terra e dos demais corpos celestes, bem como a rotação da
Terra, explicando assim o dia e a noite; e afirmaram também a revolução dos
corpos celestes em torno de um foco central, que não se deve confundir com o
Sol. Pelo que diz respeito à moral, enfim, dominam no pitagorismo o conceito de
harmonia, logicamente conexo com a filosofia pitagórica, e as práticas
ascéticas e abstinenciais, com relação à metempsicose e à reincarnação das
almas.
Para compreendermos seus princípios fundamentais, é preciso
partir do eleatismo. Como é possível uma pluralidade? Pelo fato de o não-ser
ter um ser. Portanto, identificam o não-ser ao Ápeiron de
Anaximandro, ao absolutamente Indeterminado, àquilo que não tem
nenhuma qualidade; a isso opõe-se o absolutamente Determinado, oPéras.
Mas ambos compõem o Uno, do qual se pode dizer que é impar, delimitado e ilimitado,
inqualificado e qualificado. Dizem, pois, contra o eleatismo, que, se o Uno
existe, foi em todo caso formado por dois princípios, pois, nesse caso, há
também uma pluralidade; da unidade procede a série dos números aritméticos
(monádicos), depois os números geométricos ou grandezas (formas espaciais).
Portanto, a Unidade veio a ser; portanto, há também uma pluralidade. Desde que
se têm o ponto, a linha, as superfícies e os corpos, têm-se também os objetos
materiais; o número é a essência própria das coisas. Os eleatas dizem:
"Não há não-ser, logo, tudo é uma unidade". Os pitagóricos: "A
própria unidade é o resultado de um ser e de um não-ser, portanto há, em todo
caso, não-ser e, portanto, também uma pluralidade".
À primeira vista, é uma especulação totalmente insólita. O
ponto de partida me parece ser a apologia da ciência matemática contra
o eleatismo. Lembramo-nos da dialética de Parmênides. Nela, é dito da Unidade
(supondo que não existe pluralidade): 1) que ela não tem partes e não é um todo; 2) que tampouco tem
limites; 3) portanto,
que não está em parte nenhuma; 4) que
não pode nem mover-se nem estar em repouso, etc. Mas, por outro lado, o Ser e a
Unidade dão a Unidade existente, portanto a diversidade, e as partes múltiplas,
e o número, e a pluralidade do ser, e a delimitação, etc. É um procedimento
análogo: ataca-se o conceito da Unidade existente porque comporta os predicados
contraditórios e é, portanto, um conceito contraditório, impossível. Os
matemáticos pitagóricos acreditavam na realidade das leis que haviam
descoberto; bastava-lhes que fosse afirmada a existência da Unidade para
deduzir dela também a pluralidade. E acreditavam discernir a essência
verdadeira das coisas em suas relações numéricas. Portanto, não há qualidades,
não há nada além de quantidades, não quantidades de elementos (água, fogo,
etc.), mas delimitações do ilimitado, do Ápeiron; este é análogo ao
ser potencial da hyle de Aristóteles. Assim,
toda coisa nasce de dois fatores opostos. De novo, aqui, dualismo. Notável
quadro estabelecido por Aristóteles (Metaf. I, 5): delimitado, ilimitado;
ímpar, par; uno, múltiplo; direita, esquerda; masculino, feminino; imóvel,
agitado; reto, curvo; luz, trevas; bom, mau; quadrado, ablongo. De um lado
têm-se, portanto: delimitado, ímpar, uno, direita, masculino, imóvel, reto,
luz, bom, quadrado. De outro lado, ilimitado, par, múltiplo, esquerda,
feminino, agitado, curvo, trevas, mau, ablongo. Isso lembra o quadro-modelo de
Parmênides. O ser é luz e, portanto, sutil, quente, ativo; o não-ser é
noite e, portanto, denso, frio, passivo.
O ponto de partida que permite afirmar que tudo o que é
qualitativo é quantitativo encontra-se na acústica.
Teoria das cordas sonoras; relação de intervalos; modo
dórico.
A música, con efeito, é o melhor exemplo do que queriam dizer
os pitagóricos. A música, como tal, só existe em nossos nervos e em nosso
cérebro; fora de nós ou em si mesma (no sentido de Locke), compõe-se somente das relações
numéricas quanto ao ritmo, se se trata de sua quantidade, e quanto à
tonalidade, se se trata de sua qualidade, conforme se considere o elemento
harmônico ou o elemento rítmico. No mesmo sentido, poder-se-ia exprimir o ser
do universo, do qual a música é, pelo menos em certo sentido, a imagem,
exclusivamente com o auxílio de números. E tal é, estritamente, o domínio da
química e das ciências naturais. Trata-se de encontrar fórmulas matemáticas
para as forças absolutamente impenetráveis. Nossa ciência é, nesse sentido,
pitagórica. Na química, temos uma mistura de atomismo e de pitagorismo, para a
qual Ecphantus na Antiguidade passa por ter aberto o caminho.
A contribuição original dos pitagóricos é, pois, uma invenção
extremamente importante: a significação do número e, portanto, a possibilidade
de uma investigação exata em física. Nos outros sistemas de física, tratava-se
sempre de elementos e de sua combinação. As qualidades nasciam por combinação
ou por dissociação; agora, enfim, afirma-se que as qualidades residem na
diversidade das proporções. Mas esse presentimento estava ainda longe da
aplicação exata. Contentou-se, provisoriamente, com analogias fantasiosas.
Simbolismo dos números pitagóricos: um é a razão, dois a
opinião, quatro a justiça, cinco o casamento, dez a perfeição, etc.; um é o
ponto, dois é a linha, três a superfície, quatro o volume. Cosmogonia. O
Universo e os planetas esféricos. A harmonia das esferas.
Se se pergunta a que se pode vincular a filosofia pitagórica,
encontra-se, inicialmente, o primeiro sistema de Parmênides, que fazia nascer
todas as coisas de uma dualidade; depois, o Ápeiron de Anaximandro, delimitado
e movido pelo fogo de Heráclito. Mas
estes são apenas, evidentemente, problemas secundários; na origem há a
descoberta das analogias numéricas no universo, ponto de vista inteiramente
novo. Para defender essa idéia contra a doutrina unitária dos eleatas, tiveram
de erigir a noção de número, foi preciso que também a Unidade tivesse vindo a
ser; retomaram então a idéia heraclitiana do pólemos, pai de todas
as coisas, e da Harmonia que une as qualidades opostas; a essa força,
Parmênides chamava Aphrodite. Simbolizava a gênese de todas as coisas a partir
da oitava. Decompuseram os dois elementos de que nasce o número em par e ímpar.
Identificaram essas noções com termos filosóficos já usuais. Chamar o Ápeiron de
Par é sua grande inovação; isso porque os ímpares, os gnómones,
davam nascimento a uma série limitada de números, os números quadrados.
Remetem-se, assim, a Anaximandro, que reaparece aqui pela última vez. Mas
identificam esse limite com o fogo de Heráclito, cuja tarefa é, agora,
dissolver o indeterminado em tantas relações numéricas determinadas; é
essencialmente uma força calculadora. Se houvessem tomado
emprestado de Heráclito a palavra lógos, teriam entendido por ela
a proporção (aquilo que fixa as proporções, como o Péras fixa
o limite). Sua idéia fundamental é esta: a matéria, que é representada
inteiramente destituída de qualidade, somente por relações numéricas adquire
tal ou tal qualidade determinada. Tal é a resposta dada ao problema de
Anaximandro. O vir-a-ser é um cálculo. Isso lembra a palavra de Leibniz, ao
dizer que a música é "exercitium arithmeticae occultum nescientis
se numerare animi" (¹).
Os pitagóricos teriam podido dizer o mesmo do universo, mas sem poder dizer
quem faz o cálculo.
(¹) O exercício de aritmética oculto do espírito que não
sabe calcular.
Notas Biográficas sobre Pitágoras
A doutrina e a vida de Pitágoras, desde os tempos da
antiguidade, jaz envolta num véu de mistério.
A força mística do grande filósofo e reformador religioso, há
2.600 anos vem, poderosamente, influindo no pensamento Ocidentel. Dentre as
religiões de mistérios, de caráter iniciático, a doutrina pitagórica foi a que
mais se difundiu na antiguidade.
Não consideramos apenas lenda o que se escreveu sobre essa
vida maravilhosa, porque há, nessas descrições, sem dúvida, muito de histórico
do que é fruto da imaginação e da cooperação ficcional dos que se dedicaram a
descrever a vida do famoso filósofo de Samos.
O fato de negar-se, peremptoriamente, a historicidade de
Pitágoras (como alguns o fazem), por não se ter às mãos documentação bastante,
não impede que seja o pitagorismo uma realidade empolgante na história da
filosofia, cuja influência atravessa os séculos até nossos dias.
Acontece com Pitágoras o que aconteceu com Shakespeare, cuja
existência foi tantas vezes negada. Se não existiu Pitágoras de Samos, houve
com certeza alguém que construiu essa doutrina, e que, por casualidade,
chamava-se Pitágoras. Podemos assim parafrasear o que foi dito quanto a
Shakespeare. Mas, pondo de lado esses escrúpulos ingênuos de certos autores,
que preferem declará-lo como não existente, como se houvesse maior validez na
negação da sua historicidade do que na sua afirmação, vamos a seguir relatar
algo, sinteticamente, em torno dessa lenda.
Em 1917, perto de Porta Maggiori, sob os trilhos da estrada
de ferro, que liga Roma a Nápoles, foi descoberta uma cripta, que se julgou a
princípio fosse a porta de uma capela cristã subterrânea. Posteriormente verificou-se
que se tratava de uma construção realizada nos tempos de Cláudio, por volta de
41 a 54 d.C., e que nada mais era do que um templo, onde se reuniam os membros
de uma seita misteriosa, que, afinal, averigou-se ser pitagórica. Sabe-se hoje,
com base histórica, que antes, já em tempos de César, proliferavam os templos
pitagóricos, e se essa seita foi tão combatida, deve-se mais ao fato de ser
secreta do que propriamente por suas idéias. Numa obra, hoje cara aos
pitagóricos, Carcopino (La Brasilique pythagoricienne de la Porte
Majeure) dá-nos um amplo relato desse templo. E foi inegavelmente essa
descoberta tão importante que impulsionou novos estudos, que se realizaram
sobre a doutrina de Pitágoras, os quais tendem a mostrar o grande papel que
exerceu na história, durante vinte e cinco séculos, essa ordem, que ainda
existe e tem seus seguidores, mebora esteja, em nossos dias, como já esteve no
passado, irremediavelmente infectada de idéias estranhas que, ao nosso ver,
desvirtuam o pensamento genuíno de Pitágoras de Samos.
É aceito quase sem divergência por todos que se debruçaram a
estudar a sua vida, que Pitágoras nasceu em Samos, entre 592 a 570 antes da
nossa era; ou seja, naquele mesmo século em que surgiram tantos grandes
condutores de povos e criadores de religiões, como foi Gautama Buda, Zoroastro
(Zaratustra), Confúcio e Lao Tsé.
Inúmeras são as divergências sobre a verdadeira nacionalidade
de Pitágoras, pois uns afirmam ter sido ele de origem egípcia; outros, síria
ou, ainda, natural de Tiro.
Relata a lenda que Pitágoras, cujo nome significa o Anunciador
pítico (Pythios), era filho de Menesarco e de Partêmis, ou Pythaia.
Tendo esta, certa vez, levado o filho à Pítia de Delfos, esta sacerdotiza
vaticinou-lhe um grande papel, o que levou a mãe a devotar-se com o máximo
carinho à sua educação. Consta que Pitágoras, que desde criança se revelava
prodigioso, teve como primeiros mestres a Hermodamas de Samos até os 18 anos,
depois Ferécides de Siros, tendo sido, posteriormente, aluno de Tales, em
Mileto, e ouvinte das conferências de Anaximandro. Foi depois discípulo de
Sonchi, um sacerdote egípcio, tendo, também, conhecido Zaratos, o assírio
Zaratustra ou Zoroastro, em Babilônia, quando de sua estada nessa grande
metrópole da antiguidade.
Conta-nos, ainda, a lenda que o hierofante Adonai
aconselhou-o a ir ao Egito, recomendado ao faraó Amom, onde, afirma-se, foi
iniciado nos mistérios egípcios, nos santuários de Mênfis, Dióspolis e
Heliópolis. Afirma-se, ademais, que realizou um retiro no Monte Carmelo e na Caldéia,
quando foi feito prisioneiro pelas tropas de Cambísis, tendo sido daí conduzido
para a Babilônia. Foi em sua viagem a essa metrópole da Antiguidade, que
conheceu o pensamento das antigas religiões do Oriente, e freqüentou as aulas
ministradas por famosos mestres de então.
Observa-se, porém, em todas as fontes que nos relatam a vida
de Pitágoras, que este realizou, em sua juventude, inúmeras viagens e
peregrinações, tendo voltado para Samos já com a idade de 56 anos. Suas lições
atraíram-lhe muitos discípulos, mas provocaram, também, a inimizade de
Policrates, então tirano de Samos, o que fez o sábio exilar-se na Magna Grécia
(Itália), onde, em Crotona, fundou o seu famoso Instituto.
Antes de sua localização na Magna Grécia, relata-se que
esteve em contato com os órficos, já em decadência, no Peloponeso, tendo então
conhecido a famosa sacerdotiza Teocléia de Delfos.
Mas é na Itália que desempenha um papel extraordinário,
porque aí é que funda o seu famoso Instituto, o qual, combatido pelos
democratas de então, foi finalmente destruído, contando-nos a lenda que, em seu
incêndio, segundo uns, pereceu Pitágoras, junto com os seus mais amados
discípulos, enquanto outros afirmam que conseguiu fugir, tomando um rumo que
permaneceu ignorado.
Segundo as melhores fontes, Pitágoras deve ter falecido entre
510 e 480. A sociedade pitagórica continuou após a sua morte, tendo
desaparecido quando do famoso massacre de Metaponto, depois da derrota da liga
crotoniata.
"Com ordem e com tempo encontra-se o segredo de fazer
tudo e tudo fazer bem". (Pitágoras)
O Pitagorismo
Durante o século VI a.C. verificou-se, em algumas regiões do
mundo grego, uma revivescência da vida religiosa. Os historiadores mostram que
um dos fatores concorreram para esse fenômeno foi a linha política adotada, em
geral, pelos tiranos, para garantir seu papel de líderes populares e para
enfraquecer a antiga aristocracia - que se supunha descendente dos deuses
protetores das polis, das divindades "oficiais" -, os
tiranos favoreciam a expansão de cultos populares ou estrangeiros.
"Ajuda teus semelhantes a levantar sua carga, mas não a
carregues". (Pitágoras)
A Pátria Estelar
Dentre as religiões de mistério, de caráter iniciático, uma
teve enorme difusão: o culto de Dioniso, originário da Trácia, e que
passou a constituir o núcleo da religião órfica. O orfismo - de Orfeu, que
primeiro teria recebido a revelação de certos mistérios e os teria confiado a
iniciados sob a forma de poemas musicais - era uma religião essencialmente
esotérica. Os órficos acreditavam na imortalidade da alma e na metempsicose, ou
seja, na transmigração da alma através de vários corpos, a fim de efetivar sua
purificação. A alma aspiraria, por sua própria natureza, a retornar à sua
pátria celeste, às estrelas, de onde caíra. Para libertar-se, porém, do ciclo
das reincarnações, o homem necessitaria da ajuda de Dioniso, deus libertador
que completava a libertação preparada pelas práticas catárticas (entre as quais
se incluia a abstinência de certos alimentos). A religião órfica pressupunha,
portanto, uma distinção - não só de natureza como também de valor - entre a
alma ignea e imortal e os corpos pereciveis através dos quais ela realizava sua
purificação.
"O que fala, semeia - o que escuta, recolhe".
(Pitágoras)
Salvação pela Matemática
Pitágoras de Samos, que se tornou figura legendária na
própria Antiguidade, teria sido antes de mais nada um reformador religioso,
pois realizou uma modificação fundamental na doutrina órfica, transformando o
sentido da "via de salvação"; em lugar do deus Dioniso colocou a
matemática.
Da vida de Pitágoras quase nada pode ser afirmado com
certeza, já que ela foi objeto de uma série de relatos tardios e fantasiosos,
como os referentes às suas viagens e a seus contatos com culturas orientais.
Parece certo, contudo, que ele teria deixado Samos (na Jônia), na segunda
metade do século VI a.C. fugindo à tirania de Polícrates, transferindo-se para
Crotona (na Magna Grécia) fundou uma confraria científico-religiosa.
Pitágoras criou um sistema global de doutrinas, cuja
finalidade era descobrir a harmonia que preside à constituição do cosmo e
traçar, de acordo com ela, as regras da vida individual e do governo das
cidades. Partindo de idéias órficas, o pitagorismo pressupunha uma identidade
fundamental, de natureza divina, entre todos os seres. Essa similitude profunda
entre os vários existentes era sentida pelo homem sob a forma de um
"acordo com a natureza", que, sobretudo, depois do pitagórico
Filolau, será qualificada como uma "harmonia", garantida pela
presença do divino em tudo. Natural que dentro de tal concepção - vista por
alguns autores como o fundamento do "mito helênico" - o mal seja
entendido sempre como desarmonia.
A grande novidade introduzida certamente pelo próprio
Pitágoras na religiosidade órfica foi a tranformação do processo de libertação
da alma num esforço puramente humano, porque basicamente intelectual. A
purificação resultaria do trabalho intelectual, que descobre a estrutura
numérica das coisas e torna, assim, a alma semelhante ao cosmo, entendido como
unidade harmônica, sustentada pela ordem e pela proporção, e que se manifesta
como beleza.
Pitágoras teria chegado à concepção de que todas as coisas
são números através inclusive de uma observação no campo musical: verificou no
monocórdio que o som produzido varia de acordo com a extensão da corda sonora.
Ou seja, descobriu que há uma dependência do som em relação à extensão, da
música, (tão importante como propiciadora de vivências religiosas estáticas) em
relação à matemática.
"Todas as coisas são números". (Pitágoras)
Em Todas as Coisas, o Número
A partir do próprio Pitágoras, o pitagorismo primitivo
concebe a extensão como descontínua: constituída por unidades indivisíveis e
separadas por um "intervalo". Segundo a cosmologia pitagórica - que
descreve o cenário cósmico, onde se processa a purificação da alma - esse
"intervalo" resultaria da respiração do universo que, vivo, inalaria
o ar infinito (pneuma ápeiron) em que estaria imerso. Mínimo
de extensão e mínimo de corpo, as unidades comporiam os números. Estes não
seriam, portanto - como virão a ser mais tarde -, meros símbolos a exprimir o
valor das grandezas: para os pitagóricos, os números são reais, são essências
realizadas (usando-se um vocabulário filosófico posterior), são a própria
"alma das coisas", são entidades corpóreas constituídas por unidades
contíguas e a prenunciar os átomos de Leucipo e Demócrito. Assim, quando os
pitagóricos falam que as coisas imitam os números estariam entendendo essa
imitação (mimesis) num sentido realista: as coisas
manifestariam externamente a estrutura numérica inerente.
De acordo com essa concepção, os pitagóricos adotaram uma
representação figurada dos números, em substituição às representações literais
mais arcaicas, usadas pelos gregos e depois pelos romanos. A representação figurada
permitia explicitar a lei de composição dos números e torna-se um fator de
avanço das investigações matemáticas dos pitagóricos. Os primeiros números,
representados figurativamente, bastavam para justificar o que há de essencial
no universo: o um é o ponto, mínimo de corpo, unidade de extensão; o dois
determina a linha; o três gera a superfície, enquanto o quatro produz o volume.
Já por sua própria notação figurativa evidencia-se que a primitiva matemática
pitagórica constitui uma aritmo-geometria, a associar intimamente os aspectos
numéricos e geométrico, a quantidade e sua expressão espacial.
"Pensem o que quiserem de ti; faze aquilo que te parece
justo". (Pitágoras)
O Escândalo dos "Irracionais"
A primitiva concepção pitagórica de número apresentava limitações
que logo exigiriam dos próprios pitagóricos tentativas de reformulação. O
principal impasse enfrentado por essa aritmo-geometria baseada em inteiros (já
que as unidades seriam indivisíveis) foi o levantado pelo números irracionais.
Tanto na relação entre certos valores musicais (expressos matematicamente),
quanto na base mesma da matemática, surgem grandezas inexprimíveis naquela
concepção de número. Assim, a relação entre o lado e a diagonal do quadrado
(que é a da hipotenusa do triângulo retângulo isósceles com o cateto)
tornava-se "irracional", aquelas linhas não apresentavam "razão
comum" ou "comum medida", o que se evidenciava pelo aparecimento
na tradução aritmética da relação entre elas, de valores sem possibilidade de
determinação exaustiva, como V¯². O "escândalo" dos irracionais
manifestava-se no próprio teorema de Pitágoras (o quadrado construído
sobre a hipotenusa é igual a soma dos quadrados construídos sobre os catetos).
Com efeito, desde que se atribuísse valor 1 ao cateto de um triângulo
isósceles, a hipotenusa seria igual a V¯². Ou então, quando se pressupunha que
os valores correspondentes à hipotenusa e aos catetos eram números primos entre
si, acabava-se por se concluir pelo absurdo de que um deles não era afinal nem
par nem ímpar.
Apesar desses impasses - e em grande parte por causa deles -
o pensamento pitagórico evoluiu e expandiu-se, influenciando praticamente todo
o desenncolcimento da ciência e da filosofia gregas. Sua astronomia,
estreitamente vinculada à sua religião astral foi o ponto de partida das várias
doutrinas que os gregos formulariam, pressupondo o universo harmonicamente
constituído por astros que desenvolvem trajetórias, presos a esferas
homocêntricas. Essa geometrização do cosmo estava aliada, no pitagorismo, às
concepções musicais também desenvolvidas pela escola: separadas por intervalos
equivalentes aos intervalos musicais, aquelas esferas produziram, em seu
movimento, sons de acorde perfeito. Essa "harmonia das esferas",
permanentemente soante, seria a própria tessitura do que o homem considera
"silêncio".
"Educai as crianças e não será preciso punir os
homens". (Pitágoras)

|
Pitágoras de Samos, um dos
"sete sábios da Grécia", foi filósofo e matemático, moralista e
fundador no sul da Itália de uma comunidade religiosa, denominada por isso
mesmo pitagórica, ou simplesmente escola itálica.
Ainda que não tenha deixado
escritos, sua doutrina se transferiu oralmente ao que o seguiram. Fosse através
da comunidade que fundou, fosse através dos escritos criados neste contexto,
Pitágoras influenciou toda a antiguidade, inclusive ao cristianismo e ainda
hoje continua a inspirar algumas organizações sociais de cunho místico.
Vida 
Cidade
Natal | Mestres de Pitágoras | Criação da Comunidade
Pitagórica de Crotona | Morte de Pitágoras
Vida - A biografia de Pitágoras contém episódios lendários, os quais
todavia confirmam haver sido pessoa tida em alto apreço e influência. Figura
Pitágoras entre os filósofos pré-socráticos sobre os quais Diógenes Laércio, do
séc. III a.e.c., mais vastamente informou. Entretanto, as fontes biográficas
próximas ao tempo do mesmo Pitágoras são poucas e parcas nas informações. Este
fato parece dizer que os episódios de sua vida vieram crescendo no curso dos
séculos, como facilmente acontece com os líderes religiosos.
Platão citou a
"Pitágoras", pelo seu nome, apenas uma vez (Resp. VII. 530 b), e aos
"pitagóricos" também somente uma vez (Resp. VII. 530 b). Todavia Platão foi
diretamente influenciado pelo pitagorismo. Contatou aos mesmos pitagóricos. As
estes citou pelos seus nomes pessoais, como dialogantes em seu livro Fédon.
Também citou pelos nomes pessoais aos discípulos do pitagórico Filolau (Fédon, 61).
Aristóteles somente menciona
aos "pitagóricos" (Met., 985b 20), em vez de
"Pitágoras".
Os informes doxográficos
crescem somente com os autores tardios, situados já ao tempo da era cristã,
quando o pitagorismo já assumia as novas formas do neopitagorismo e mesmo doneoplatonismo, num contexto moral e
religioso, típico do período helênico-romano.
Datam deste tempo tardio
Apolônio de Thyana e Nicômaco de Gerasa, - estes neopitagóricos, sobre os quais
logo se apoiarão Diógenes Laércio (VII, 1-50), Porfirio (Vivo de Pitagoro), Jâmblico
(Vida de Pitágoras).
As aproximações entre pitagorismo e cristianismo, bem como oposições, fizeram
com que algumas informações sobre o referido pitagorismo fossem dados por
autores cristãos.
Cidade Natal - Três são as versões sobre
o lugar de nascimento. Aceita-se como mais verossímil a versão de que Pitágoras
teria nascido em Samos, uma ilha grega do mar Egeu, junto à costa da Jônia.
Embora a Jônia continental esteja integrada hoje à Turquia, permanece contudo a
Ilha de Samos como território grego,
De acordo com outro
informe, Pitágoras teria nascido em uma Ilha do Mar Tirreno, portanto à
Ocidente da Itália. Provavelmente, se trata de uma confusão com a região onde
efetivamente viveu. Ainda de acordo com terceiros, Pitágoras teria sido um
bárbaro procedente de Tiro, ou mesmo da Síria. Neste caso teria vindo depois
para Samos e finalmente para a Itália.
A possibilidade dispersiva do lugar de nascimento coere com a
circunstância de haver Pitágoras vivido quando os persas conquistaram a Ásia
Menor. Desde então aumentou a possibilidade de movimentação das pessoas no
vasto mundo oriental, além de a tendência de reemigração dos gregos para o
Ocidente.
Mais um desencontro, no
que transmitiram os informantes de Pitágoras, ocorre ao dizer-se, ora que fora filho
de Nesarco, ora de Mármaco. Mais comum é dizer-se que fora filho de Nesarco.
"Segundo Hermipo, Pitágoras, filho de Nesarco, gravurista de selos, era de
Samos. Contrariamente, Aristóxeno afirma, que era de Tirreno e que nascera em
uma das ilhas que os atenienses conquistaram pela expulsão da população
anterior. Outros o fazem filho de Mármaco, por sua vez filho de Hípaso, neto de
Eutifro e bisneto de Cleônimo, exilado de Flionte (cidade do Peloponeso,
segundo Plinio). Diz-se que Mármaco morou em Samos e que por isso Pitágoras
tomou o apelido de Samosano" (D. Laércio, VIII, 1).
"Pitágoras, filho de
Nesarco, era de Samos, disse Hipóboto. De acordo com Aristóxeno, em sua Vida
de Pitágoras, Aristóteles
e Teopompo, ele era de Tiro. Em resumo, a maioria via a Pitágoras como um
bárbaro" (Clemente de Alexandria, Strômata, I, 62). O tempo
em que viveu Pitágoras, ainda que não seja conhecido em detalhes, é todavia
suficientemente determinável, como tendo sido aquele em que viveu Xenófanes de
Colófon 570 – 475 a.e.c. ligado à escola de Elea. Possivelmente Pitágoras
nasceu entre os anos 580 e 570 a.e.c.
Com referência à morte de
Pitágoras, uns a colocam pelos anos 500 e 496 a.e.c. Outros a situam um pouco
mais tarde, atribuindo-lhe a mesma longa vida de Xenófanes. Conhece-se uma
citação de Heráclito, referindo-se ironicamente a Pitágoras e a Xenófanes, como
anteriores a ele mesmo:
"Muito saber não ensina a ser inteligente. Isto não
ajudou a Hesíodo, Pitágoras, Xenófanes e Hecateo" (Heráclito, Frag. 40, em
D. L., IX,1).
Ora, Heráclito, o primeiro
filósofo da escola jônica nova, floresceu na 69ª Olimpíada 504-501 a.e.c. (D.
L., IX,3). Isto representa meio século depois da morte de Tales de Mileto.
Dentro deste raciocínio, Pitágoras e Xenófanes viveu e floresceu entre Tales e
Heráclito. "Diz Heráclito filho de Serapion, que Pitágoras morreu aos 80
anos, conforme o cálculo que ele havia feito sobre as idades da vida. Contudo a
opinião mais generalizada é a de que atingiu 90 anos" (D. L, VIII, 44).
Estes informes coerem mais
ou menos com os demais episódios citados na mesma biografia de Pitágoras. Por
exemplo, foi contemporâneo de Polícrates, tirano em Samos de 537 a 522 a.e.c. e
do Faraó Amasis 570-526 a.e.c.
Mestres de
Pitágoras -
Aparentemente, Pitágoras pertenceu a uma rica família de comerciantes gregos.
Nesta condição pôde facilmente viajar, contatando homens de saber e mesmo
aprender por obra da observação sobre os costumes e doutrinas vigentes em
outras regiões, sobretudo do Oriente. O informe de Diógenes Laércio, dizendo
que Pitágoras é filho de Mármaco, acrescenta "que indo ele à Lesbos
[capital Mitilene], seu tio Zojlo o recomendou à Ferécides". Pouco adiante
complementa: "Ele teve como mestre, Ferécides de Siros, indo depois da
morte deste para Samos, para ouvir a Hermodamos, neto de Cléofilo, então já
idoso" (D. L., VII, 2).
Como se sabe Ferécides de
Siros é um personagem importante do pensamento órfico iraniano que então
penetrava no Ocidente, e haveria de generalizadamente influenciar a filosofia e
as religiões.
Muito viajou Pitágoras.
Até seu tempo a passagem de um país para outro era difícil. Com o crescimento
do comércio marítimo, mas sobretudo com o domínio persa, tornaram-se mais
fáceis as viagens. Em consequência também se transpuseram costumes e crenças.
Pitágoras se tornou um destes transportadores de mentalidade, havendo
introduzido no Ocidente particularidades trazidas do Oriente, com destaque os
mistérios, ou suas novas formas, em que se destacam os ritos de purificação.
Com referência ao Egito, que desde tempo se enfraquecera politicamente, passou
a depender de apoiamentos externos, e que em parte lhe eram dados pelos gregos.
O Faraó Psametico (rei de 657-617 a.e.c.) conseguiu a unidade sobre todo o
Egito com o apoio dos piratas cários e jônicos então arremessados por uma
tempestade contra as bordas do delta do Nilo.
A mesma política de amizade com os gregos durou sob o Faraó
Nécao II 610-595 a.e.c., com vistas à concorrência comercial com a frota
fenícia. Situação especial ocorreu no tempo do Faraó Amasis 570-526 a.e.c., que
prosperou em paz com Ciro, o grande rei da Pérsia, que então conquistou
Babilônia. Foi então que o enfraquecido faraó permitiu aos gregos estabelecer a
cidade de Náucratis no delta do Nilo.
De outra parte, no Mar
Egeu cresceu a frota de Samos, controlando o comércio desde os Balcãs até a
Ásia Menor, sob o governo de Polícrates, tirano desde 537 até 522 a.e.c. No
quadro desta conjuntura internacional favorável, pôde certamente Pitágoras
viajar em todas as direções, portanto ir ao Egito e mesmo ir às distantes
regiões dos sábios caldeus e aos magos da Pérsia.
As condições de viagem não
mudaram muito, quando depois Cambises, rei da Pérsia, vencerá ao faraó
Psametico III, em 525 a.e.c., anexando o Egito e a Ásia Menor, inclusive as
cidades gregas da Jônia e a Ilha de Samos. Sem barreiras políticas, o vasto
reino persa favoreceu a movimentação dos sábios.
Esta foi a razão que
permitiu a Heródoto 484-425 a.e.c. deixar em 464 a.e.c. sua cidade de
Halicarnasso, para viajar primeiramente pela Grécia européia e depois, no
quadro do reino persa, viajar também para Babilônia e para o Egito, tendo como
resultado as descrições, que se podem ler em livro por ele redigido, de nome História.
Com referência à
Pitágoras, viajou para o Egito no tempo de Polícrates e do faraó Amasis;
portanto, entre 537 e 526 a.e.c., quando este último morreu. "Jovem e
desejando instruir-se, ele deixou a pátria para ser iniciado nos mistérios dos
gregos e dos bárbaros. Ele embarcou para o Egito com carta de recomendação de
Polícrates a Amasis. Diz Antifon, no tratado Sobre los homens famosos por causa de suas virtudes, que ele
aprendeu a língua egípcia e que se comunicou com os caldeus e os magos.
Dali passou
para Creta, onde ele entrou com Epimênides na gruta de Ida [construção em honra
de Zeus].
Entrou nos oráculos dos
santuários do Egito e estudou os segredos da religião nos livros sagrados"
(D. Laércio, VIII, 3).
"Em Vida
de Pitágoras informa
Jâmblico, que Pitágoras viajou à Creta, não somente para ser iniciado sobre os
ritos, como diz Diógenes Laércio, mas também para estudar as leis desta
ilha" (Porfirio, Vida de Pitágoras, 25).
Possivelmente alguém
aconselhou a Pitágoras ir ao Egito. Este conselheiro poderia ter sido discípulo
de Tales de Mileto, mas não o mesmo Tales conforme imprecisa informação de
Porfírio:
"Tales persuadiu a Pitágoras, que ele embarcasse para o
Egito e ali convivesse com os sacerdotes de Mênfis e Heliópolis, porque também
ele mesmo obtivera sua instrução junto desses sacerdotes, pela qual o sábio é
estimado pelo povo" (Jâmblico, Vida de Pitágoras).
Algumas décadas depois,
Heródodo descreverá os mistérios, possivelmente os mesmos, que Pitágoras
houvera então aprendido. Segundo Heródoto, os egípcios não levam o costumeiro
manto ao entrarem no templo e nem envolvem nele o morto. Eis, quando
acrescentou uma curiosa explicação, porque se refere ao orfismo e ao
pitagorismo:
"Este costume tem relação com as cerimônias órficas e
pitagóricas" (Heródoto, História, II, 81).
Diz Aristóxeno, que
Pitágoras recebeu suas doutrinas de Temistóclea, sacerdotisa de Delfos (D.
Laércio, VIII, 21). Pitágoras teve um escravo, cujo nome foi Zamolclo. Contudo,
"ele jamais, mesmo em cólera, bateu em alguém, fosse livre, fosse
servo" (D. L., VIII, 20). "Eu sei, segundo narram os gregos do
Helesponto e do mesmo Ponto, que Zamolclo, ainda que filho de mulher e de um
homem, serviu como escravo em Samos, mas felizmente a Pitágoras, filho de
Nesarco. Saindo livre de Samos, ele colheu por meio de hábil trabalho próprio
um tesouro significativo, com o qual voltou à sua pátria [Trácia]".
A vinda de Pitágoras para o Ocidente poderá ter sido motivada
nas alterações políticas no Oriente grego, principalmente em Samos. Depois de
suas viagens, e retornando à Samos, decidiu abandonar definitivamente a região,
para tomar o rumo de Crotona, uma cidade portuária do Sul da Itália.
"Ao retornar à Samos, ele encontrou sua pátria em mãos
do tirano Polícrates, e se retirou para Crotona, Itália" (D. L., VIII, 3).
Possivelmente, agora este
mesmo Polícrates, que o havia recomendado ao Faraó Amasis, ter-se-ia tornado
intolerável. Como se sabe, finalmente Polícrates conspirou contra os persas, os
quais o capturaram e o crucificaram, em 522 a.e.c. A saída de Pitágoras para o
Ocidente poderá ter acontecido cerca de dez anos antes, talvez pelo ano 532
a.e.c., tendo então cerca de 40 anos de idade.
Quando Pitágoras chegou à
Crotona, esta cidade aparentava estar vencida por outra. O ádvena assim pôde
surgir como um salvador. Efetivamente, Pitágoras reorganizou a sociedade de
Crotona. Sabe-se mesmo que cerca do ano 510 a.e.c., venceram a sua vizinha
cidade rival de nome Síbaris, situada pelo lado Norte. "Legislador dos
crotonianos, ele captou de tal maneira a confiança dos mesmos, que eles
depunham em suas mãos o imposto do Estado, e ainda nas dos seus discípulos, ao todo
cerca de trezentos; rapidamente a sabedoria de sua administração fez do seu
governo uma verdadeira aristocracia" (D. Laércio, VIII, 3).
No laborioso período em
Crotona, ele também amou. Segundo Diogenes Laércio A esposa de Pitágoras
chamava-se Teana, filha de Brontino e companheiro de Pitágoras. Teve uma filha
de nome Dama, mencionada por Lisis em carta a Hiparco [...] Ele teve também um
filho, Telauges, que o sucedeu como herdeiro, e foi, segundo uns, mestre de
Empédocles. A este respeito, Hipóboto cita verso de Empédocles: Telauges,
famoso filho de Teano e Pitágoras (D. L., VIII, 41).
A Criação
da Comunidade Pitagórica de Crotona - Eis uma instituição significativa criada por Pitágoras em
Crotona, para estudo e prática religiosa. Teve a comunidade uma primeira fase,
em vida do mesmo Pitágoras, e que se confunde ainda com sua biografia. Outra
fase da comunidade pitagórica é dispersiva, quando se expandiu por toda as
cidades gregas. Finalmente no período helênico-romano a comunidade se fará
conhecer como neopitagórica.
Estas organização
tipicamente oriental pela forma e pela ideologia, transformou a vida política
da cidade de Crotona, a qual por isso mesmo progredia.
Não teve a comunidade
pitagórica um resultado final feliz em Crotona. Ela se tornou excessivamente
aristocrática e teocrática. Uma reação popular abateu finalmente a comunidade,
matando a muitos dos seus membros, inclusive ao mesmo Pitágoras. Não são claras
as versões sobre o incidente da dispersão da comunidade pitagórica e morte de
Pitágoras.
Morte de
Pitágoras - Diz
uma versão, que a morte infligida a Pitágoras aconteceu na mesma Crotona.
Outros dizem, que ele morreu em Metaponte ou em Siracusa, depois de sua fuga.
"Eis como morreu Pitágoras: Estava em casa de Milon, com
seus companheiros, quando um, ao qual havia despedido, pôs fogo na casa, para
se vingar".
Conforme outra versão,
foram os mesmos crotonianos que colocaram o fogo, para livrar-se da tirania a
que ele os havia submetido. Pitágoras conseguiu escapar. Alcançaram-no todavia
em sua fuga, porque, havendo chegado a uma semeadura de favas, se deteve,
dizendo:
- É melhor ser detido que
pisá-las com os pés. Antes morrer, que falar.
Então foi degolado pelos
que o vinham perseguindo. A maior parte dos seus , em número de 40, pereceram
nesta ocasião. Muito poucos conseguiram escapar, entre os quais estavam
Árquitas de Tarento e Lísis. Assevera Dicearco, que Pitágoras havia buscado
asilo em Metaponte, no templo das Musas, onde morreu de fome após 40 dias.
Heráclides sustenta
opinião contrária em seu compêndio das Vidas de Sátiro. Diz que Pitágoras, depois de haver ido
a Delos para sepultar Ferécides, retornou à Itália. Havendo encontrado a Milon
de Crotona nos preparativos de um grande festim, se retirou imediatamente à
Metaponte, de onde, cansado de viver, se deixou morrer de fome. Hermipo dá
outra versão. Segundo ele, Pitágoras havia ido com seus companheiros para
pôr-se à frente dos agrigentinos em uma guerra que estes sustentavam contra os
de Siracusa; posto em fuga, encontrou um campo de favas e foi morto pelos de
Siracusa.
Seus companheiros, em
número de 35, foram queimados em Tarento, por se haverem oposto aos chefes do
governo " (D. Laércio, VIII, 38).
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Obras 
Por causa do caráter
coletivo do pitagorismo e da inspiração religiosa de todo o movimento,
encontram-se algumas semelhanças entre a documentação pitagórica e a cristã.
Como Pitágoras, também Jesus nada escreveu, ocorrendo a codificação de suas
doutrinas em décadas posteriores, em escritos, chamados Evangelhos e outros documentos. Também à
semelhança dos pitagóricos, os cristãos deram toda a doutrina como tendo sido
de Jesus, ainda que pudessem ter introduzido variantes, quer no estilo, quer
nas ênfases.
Ainda que alguns escritos
pitagóricos tenham determinação clara dos seus autores, já outros não os têm
tão claros. Por isso, didaticamente importa um item com esta titulação geral, -Escritos pitagóricos, - mesmo que isto resulte em
repetitividade.
Dentre os escritos que não
apresentam autor claro, alguns parecem haver sido aperfeiçoados através do
tempo, como já acontecia com os códigos das religiões orientais. Mas, ainda que
renovados, eles não perdem de todo seu valor de conteúdo. Eles continuam
representando sobretudo a escola onde nasceram e se desenvolveram. Devem então
ser citados como o fez Aristóteles. Este cautelosamente diz pitagóricos,
e não Pitágoras.
O mesmo Pitágoras talvez
nada houvesse escrito pessoalmente ao modo de livro. Sabe-se que o texto
denominado Física (De
natura) atribuído à Pitágoras é um apócrifo de Alexandria, escrito
em dialeto jônico.
Ocupou-se Diógenes Laércio
em arrolar detalhadamente as obras que se atribuíam a Pitágoras: Afirmam alguns
autores, que Pitágoras não deixou obra alguma. Isto porém não importa, porque
Heráclito o físico, diz expressamente o contrário: ‘Pitágoras, filho de
Nesarco, é de todos os homens o que mais bebeu nas fontes históricas; ele
explorou em todas as obras e compôs assim sua própria sabedoria, muito erudita,
certamente, mas também muito mal ordenada’.
Assim se expressou
Heráclito, porque Pitágoras, em exórdio em seu tratado da Natureza,
emprega as seguintes expressões:
‘Não é pelo ar que respiro, pela água que bebo, a censura não me alcançará por
estes escritos’.
Pitágoras deixou três tratados: Sobre
a educação; Sobre a política; Sobre
a natureza.
Quanto à obra que hoje se
lhe atribui, esta é de Lísis de Tarento , filósofo pitagórico, que, havendo-se
refugiado em Tebas, foi aqui mestre de Epaminondas.
Assegura Heráclides, filho
de Serapion, no compêndio, que havia escrito muitas obras poéticas: uma acerca
do universo, um canto sagrado que começava assim: ‘O jovens, guardai
silenciosamente estes preceitos’;
Um poema sobre a Alma;
Outro sobre a Piedade; Um quinto
intitulado Helotal, do nome do pai de
Epicarmo de Cós; Um sexto sobre Crotona, e muitos outros.
Diz-se que o tratado dos Mistérios é de Hípaso e que este o compôs para
obscurecer a Pitágoras. Também se diz que lhe haviam sido atribuídas muitas
composições de Astón de Crotona. Aristóxeno assegura que Pitágoras havia
recebido de Temístoclea, uma sacerdotisa de Delfos, a maior parte de seus
preceitos morais.
Ion de Quios diz, em Triagmes,
que ele havia apresentado algumas de suas composições poéticas como se fossem
de Orfeo. Atribuem-se-lhe também os célebres Mandamentos, os quais
começam assim, - Não ofendas a ninguém" (D. Laércio., VIII, 7).
Fizeram-se muito
conhecidos e citados os Versos de ouro, ou Sentenças
de ouro (latinizados
sob o título Carmen aureum), ao todo
71, em cerca de 4 páginas. Consistem em afirmações de sabedoria, sobre a vida e
os costumes. Expressam o espírito pitagórico, ainda que com o estilo posterior.
A coletânea aparenta haver
sido realizada por autor do período helênico-romano, o qual tinha ao seu dispor
escritos os mais diversos que então circulavam entre os neopitagóricos. O
Crísipo 282 -204 a.e.c. um filósofo estóico, já cita uma destas sentenças
pitagóricas (vd Aulo Gélio, I, VI, 2). Não garante esta citação de trezentos
após Pitágoras, que já então existisse a coleção como um todo, porque Crísipo
racionalmente poderia ter tomado este verso do texto mesmo de um discurso
santo.
Hoje a mais aceita das
opiniões é a de que estes Versos de Ouro, datam do
séc III d.e.c., portanto 700 anos após Pitágoras, e que esta coleção tenha sido
criada nos meios neopitagóricos de Alexandria. Neste tempo os platônicos e
pitagóricos se aplicavam à conservação da herança cultural da antiguidade,
reafirmando-a frente às inovações.
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Doutrinas 
Os números como elementos dos seres | Os números como arquétipos | Os contrários | Cosmologia e astronomia | A harmonia e a música | A matéria e o espírito | A Ética
Os textos pitagóricos se
ocupam dispersivamente de várias doutrinas da escola, as quais entretanto
importa sistematizar. Mas, ao se fazer a citação do mesmo texto, não se pode
evitar uma certa repetição. Pela ordem adotada por Aristóteles, a tese
principal do racionalismo pitagórico é a dos números, apresentados como
elementos constitutivos das coisas. Logo depois importa advertir que estes
números contêm o caráter de haverem obedecido a arquétipos correspondentes,
como exemplares universais das coisas individuais.
Também se deve advertir
que os números se apresentam como contrários entre si, e que devem ser
harmonizados. Depois desta metafísica racionalista seguem os parágrafos sobre
os restantes temas da filosofia pitagórica.
Os Números Como Elementos dos Seres - A
consistência do ente é uma pergunta importante, já levantada pela escola
jônica, vindo agora a receber junto aos pitagóricos uma nova e curiosa
resposta:
A consistência do ente é o número.
De pronto esta doutrina
reclama esclarecimentos, - o que efetivamente os pitagóricos entendiam pelos
números? E quais as propriedades que lhes atribuíam? Historicamente, a doutrina
dos números talvez nem pertença ao mestre Pitágoras. Mas aos seus discípulos,
principalmente a Filolau. A preocupação do mestre estava antes na
espiritualidade, enquanto a doutrina dos números, que em parte talvez o
inspirava, floresceu efetivamente um século depois.
A Pitágoras, como aos
órficos e orientais em geral, o que importava era o simbolismo dos números.
Isto não é o mesmo exatamente que estabelecer aos números como elementos
constitutivos das coisas. Vivenciou Pitágoras o simbolismo dos números e terá
estudado a matemática.
Mas possivelmente não se
estendeu até a criação de uma interpretação metafísica de tudo pelos números.
Nem terá estudado a matemática ao ponto de descobrir o assim chamado Teorema
de Pitágoras. Somente
de futuro os neopitagóricos atribuirão a totalidade do sistema pitagórico ao
primeiro mestre da escola. Nesta hipótese Pitágoras teria sido um religioso, um
moralista, um político e pouco mais, todavia o suficiente para crescer aos olhos
dos discípulos do futuro.
A natureza dos números
pitagóricos, eis uma questão polêmica. Estes números não se confundem com os
símbolos gráficos, os quais entre os gregos nem existiam senão como letras com
um acento diacrítico. O nome número incluía mais do que a simples numeração –
um, dois, três, etc., - mas também as noções geométricas, - face, área,
longitude, linha, esfera, volumes, etc.. Alongou-se Aristóteles sobre os
números dos pitagóricos, ao instalar em sua metafísica o estudo do ser em geral.
Como não podia deixar de fazer, informou com abundância sobre a interpretação
dada pelos pitagóricos.
Advertiu claramente que os
elementos constitutivos dados pelos pitagóricos para o ente, eram os números, e
que se opunham como par e ímpar. Informou ainda que alguns pitagóricos
apresentavam outras espécies de contrários. "Os assim chamados pitagóricos
foram os primeiros a se aplicarem à matemática, e não só fizeram progredir o
seu estudo, mas também adestrados como estavam nele, julgaram que os seus princípios
eram os princípios de todas as coisas.
Como, de tais princípios,
os números são por natureza, os primeiros, e lhes parecia ver nos números
muitas semelhanças com as coisas que são e vêm a ser. São números o fogo, a
terra e a água. Tal ou qual modificação dos números são a justiça, outra a alma
e a razão, e outra ainda a oportunidade. E, analogamente, comportam quase todas
as demais coisas uma expressão numérica. Por outro lado, viam ainda que as
modificações e as razões da escala musical podiam ser expressas em números. E,
como, em suma, todas as outras coisas pareciam ser modeladas em sua natureza
integral pelos números, e os números se afiguravam ser as primeiras coisas na
natureza como um todo, supuseram eles que os elementos dos números fossem os elementos
de todas as coisas, e que o céu inteiro fosse uma escala musical e um número.
E, sempre que podiam
mostrar uma correspondência das propriedades dos números e das escalas dos
atributos, as partes e a disposição total dos céus, incluíram e ajustaram tais
propriedades ao seu sistema, preenchendo sem hesitar as lacunas que se lhes
deparavam, a fim de dar coerência à teoria. Por exemplo: como o número dez é
considerado perfeito e contendo em si a natureza de todos os números, dizem
eles que os corpos que se movem através dos céus são dez; ora, como os corpos
visíveis são apenas nove, de maneira que, para vencer a dificuldade, inventam o
décimo, a Anti-terra" (Arist., Metafísica, 985b 23 – 986a
12).
Como precisamente entender
aos números como elementos dos corpos. São evidentemente os números apenas
determinações dos corpos, a partir das quais não parece possível reduzi-los
simplesmente aos números, como se estes fossem a substância mesma de sua
entidade. Também não se mostra como se pudesse reduzir as propriedades em
geral, como a justiça, a números. Consequentemente, todo o contexto pitagórico
se apresenta obscuro, pouco convincente, ainda que contivesse elementos que
puderam inspirar a posterior doutrina dos arquétipos reais de Platão e ao
simbolismo em geral.
Aristóteles, depois de
haver examinado diversas teorias sobre a natureza dos corpos, aludiu mais uma
vez ao ponto de vista pitagórico: "Alguns filósofos opinam, que os limites
dos corpos, como superfície, linha, ponto e unidade são substâncias, e também
que isto é o corpo e o sólido mesmo"(Metafísica,
VII, 1.1028 b 15-17).
Aristóteles, ao arrolar
uma série de problemas, - aporias, - colocou sob número 14 a que atingia
aos pitagóricos: "Os números, sólidos, superfícies, pontos são, ou não são
substâncias? " (Metafísica,
III, 5. 1001b 27).
Mais adiante: "Mas o
corpo certamente é menos substância do que a superfície, a superfície menos que
a unidade e o ponto.
O corpo é aliás definido
por estas grandezas, e possivelmente elas podem existir sem os corpos, e o
corpo não pode existir sem elas. Eis a razão porque – ainda que a maioria dos
filósofos e entre eles os mais antigos acreditaram, que as substâncias e o ente
são o corpo, e que as outras coisas são apenas afecções dos corpos, de maneira
que os princípios do corpo são também os princípios dos entes – os filósofos
recentes, com fama de mais hábeis que os anteriores, opinam que os princípios
do ente são os números" (Arist., Metafísica, III, 5. 1002a
3-12).
Advertindo, que os
filósofos anteriores à escola jônica não falaram claramente sobre os elementos
constitutivos das coisas, Aristóteles opina que os pitagóricos também não o
fizeram: "Os pitagóricos têm falado, no mesmo sentido [como Parmênides,
Anaxágoras e Empédocles, com a mesma obscuridade] de dois princípios [causa
material e eficiente], mas acrescentaram as duas particularidades seguintes.
Primeiramente, o Limitado,
ou Uno, e o Ilimitado não são, pensam eles, certas outras realidades, tais como
o fogo, a terra ou outro elemento desta espécie, mas é o Ilimitado mesmo e o
Uno mesmo que são a substância das coisas das quais eles são afirmados, e é
porque eles disseram que o número é a substância de todas as coisas. Tal é a
maneira pela qual eles têm opinado sobre estas coisas. Em segundo lugar, a respeito
da essência, foram eles que começaram a examinar e a definir. Mas o fizeram de
maneira muito simples.
Com efeito, definiram a
superficialmente, e o primeiro número ao qual aplicaram a definição dada, eles
o consideraram como a essência da coisa definida. Acreditaram serem idênticos o
duplo e a díada (o dois), porque a díada (o dois) é a primeira coisa de que o
duplo é afirmado. Sem dúvida, a essência do duplo e da díada não são a mesma
coisa, senão o Uno seria múltiplo. Entretanto, eles não hesitaram tirar esta
consequência" (Arist., Metafísica, I, 5. 987a
14-28).
E assim é que o finito e o
infinito, os números em geral, não são atributo de algo mais fundamental, mas
são o mesmo fundamento. Afinal, que seriam efetivamente os números? Eles talvez
não sejam substancializáveis, como queriam os pitagóricos, ao convertê-los em
fundamento, mas seriam consequência das substâncias numeráveis. Embora talvez
errando sobre a natureza dos números, os pitagóricos introduziram o seu
questionamento.
No inícios dos tempos
modernos, Descartes 1596-1650 d.e.c. asseverou algo similar aos pitagóricos,
quando propôs que a quantidade é a essência dos corpos. O conceito pitagórico
dos números era algo similar à quantidade na filosofia cartesiana. Pelo mesmo
caminho se tenta a refutação. Mas nem só a quantidade espacial importa em
números, ainda que sobretudo nesta eles ocorram. Em qualquer substância podem
ocorrer os números, mas sempre como decorrência, ou seja, como propriedade.
As qualidades, por obra
das quais os entes se diferenciam entre si, novamente se fundam nos números, no
entender dos pitagóricos, e por isso geram símbolos. Os números determinam os
entes. O finito como que limita ao infinito. O que o número não limita, resta
impreciso e obscuro. As hierarquias matemáticas dos números são, além disto,
traduzidas em valores morais e símbolos; místicos. Pode-se duvidar sobre
algumas das categorias e sobretudo sobre a eficácia mística de tais símbolos,
não raro equivocadamente utilizados em argumentações; mas não de haver base
para a criação de tais símbolos.
"Efetivamente, tudo o
que se conhece, tem número. Sem ele nem seria possível conhecer ou pensar
algo" (frag. 4 de Filolau, em Stobeo, Eklogoj I, 21, 7 b). Principalmente o número
dez tem importante função no ordenamento e compreensão de cada coisa, de acordo
com os pitagóricos. Ele contém tudo o que existe, e por isso ele é o número
perfeito.
É o que aparenta estar
neste quadro 10 = 1+2+3+4. O uno é a mônada, porque não é nem par, nem ímpar.
Ele é todo o número.
O dois é a linha. Ou seja,
o primeiro par. O três é a superfície. Ou seja, o primeiro ímpar. O quatro é o
sólido. Ou seja, o primeiro quadrado.
Até onde tem acerto esta
análise pitagórica? A divisão dos números se faz pela unidade. Portanto, 3 é
1+1. Assim, também 3 é 1+1+1, e não 1+2.
Na medida que a análise
pitagórica supõe os elementos anteriores, não pode estabelecer o número dez
como perfeito e superior. "Entre as grandezas aquela que é divisível
conforme uma só dimensão é uma linha; aquela que é
divisível pelas duas dimensões, uma superfície; e aquela que é
divisível pelas três dimensões, corpo. Fora disto não há
outra grandeza, visto que não há senão três dimensões em tudo o que é
divisível.
Com efeito, como o dizem
também os pitagóricos, o mundo, e tudo que ele contém, é determinado pelo
número três, porque o fim, o meio e o começo, forma o número daquilo que é um
todo. O número dado é a tríada. É ainda porque havendo recebido estas
determinações, da natureza mesmo, como se elas fossem de alguma maneira suas leis,
nós nos servimos também do número três no culto dos Deuses" (Aristotelo, Tratado
do mundo, I, 1. 268a
7-15).
A diversidade, a mudança,
as causas, as coisas compostas, - tudo é esclarecido pelos números. Conforme a
diversidade dos limites da figura, os números definem os seres. Portanto, nas
mudanças, a modificação das é também a modificação dos números. Tal é evidente
na escala musical. Não obstante Aristóteles adverte que as causas não se
explicam adequadamente pelos números.
"Não se definiu como
os números são as causas das substâncias e do ente. Eles são como limites, como
os pontos ao longo da grandeza: Eurito atribuiu um número para cada coisa, por
exemplo, um para o homem e outro para o cavalo; imitando com pedrinhas as
figuras dos seres vivos, do mesmo modo como se arranjam os números nas figuras
do triângulo e do quadrado" (Arist., Metafísica, 5. 1092 b
10-14).
Um fragmento de Teo de
Esmirna esclarece mais sobre a concepção pitagórica dos números na formação dos
seres: "Julgam-se as obras e a essência do número pela potência do número
dez (que está na década). Sendo grande, completa tudo, é princípio e guia da vida
divina e celeste, como também da humana. Participa do poder do número dez
(potência da década). Sem esta, todas as coisas seriam sem limites, incertas e
obscuras. A natureza do número é causa do conhecimento. Ele é guia e mestre
para cada um, em tudo o que lhe é duvidoso e desconhecido. Se não fosse o
número e a sua essência, nada das coisas seria manifesto a ninguém, nem em si
mesmas, nem em suas relações com outras.
Agora, porém, este torna
todas as coisas conheciveis, ao harmonizá-las na alma com a sensibilidade,
harmonizando também as suas relações mútuas, de acordo com o indicador (gnômon), revestindo-se de
corpos, distinguindo as relações de cada coisa das demais, sejam ilimitadas,
sejam limitadas. Pode-se ver a natureza e a potência do número desenvolver a
sua força, não só nas coisas demoníacas e divinas, mas também em toda a parte,
em todas ações e palavras humanas, bem como no domínio da arte e da música. Nem
a natureza, nem a harmonia abrigam em si a falsidade. Pois ela não lhes é
própria. A falsidade e a inveja são próprias da natureza do ilimitado, do
insensato e do irracional. A falsidade não se insinua de nenhum modo no número.
Pois a falsidade é hostil e inimiga de sua natureza, ao contrário da verdade,
conforme e congênita à natureza do número"[Frag. 11] (Theo de Esmirna 106,
10).
Conhecem-se os números
atribuídos pelos pitagóricos para diferentes seres. Ocorrem também
discordâncias. A justiça para uns é o número 4, ou 9; ela seria 2+2=4; ou 3 x
3=9 (vd Alexandre de Afrodísio, Comentário à Metafísica de Aristotelo, 38, 12 k.s.). Também
seria o número 3, pelo informe de Plutarco (Sobre
Isis e Osiris, 75).
O número da alma é dado
como sendo 1 (vd Alexandre de Afrodísio 39, 13). Mais detalhadamente, Asclépio
(36,20) informa, que o número é 1 para a razão intuitiva; 2 para a razão
inteletiva. Mas, segundo Siriano a inteligência teria o número 6, ou 216. Eis
alguns outros números, ainda que divergindo segundo os informantes e dos mesmos
pitagóricos: 5 – união sexual; 7 - tempo; 8 - harmonia; 10 - perfeição..A
inserção de elementos míticos na doutrina dos números foi muito grande entre os
pitagóricos (vd Ross, I, 144, Sobre o misticismo aritmético,).
Já procede dos tempos
primitivos o misticismo dos números e das cifras. Mas por causa da interpretação
dos números como componentes da natureza, cresceram os mitos e os misticismos
neste campo. Possivelmente ainda, por causa da crescente influência do orfismo
e do pitagorismo no mundo helênico, encontra-se a presença mítica e mística dos
números em toda a literatura que desde então se criou. Até mesmo o primeiro
capítulo do Gênesis da Bíblia judaica descreve a criação
do mundo em seis dias, com o descanso do criador no sétimo. Eis um texto
redigido aproximadamente no Séc. VII a.e.c., exatamente quando no Ocidente
principiava a atuação mais pronunciada do misticismo dos números.
Com referência ao
misticismo do número 3, alcançou sucesso nos meios neoplatônicos, especialmente
em Plotino (c. 205-270). Já antes de Plotino o judeu Filon de Alexandria ( 25 -
50 d.e.c.) se fizera neoplatônico e passava logo a influenciar aos primeiros
cristãos. O resultado foi a formulação de uma conceituação racional para o
dogma da Trindade.
O prestígio mítico do
número dez aconteceu em todos os povos, em função certamente do sistema decimal
de contagem. Antropologicamente, o sistema decimal esteve sob a influência
óbvia dos dez dedos do homem. Mas junto aos pitagóricos esta convicção se
firmou com a análise, que dava a este número como o mais perfeito no seu
conteúdo, porquanto coincidia com a soma dos demais: 1+2+3+4=10.
Respectivamente ainda
ocorria a relação com a linha, a superfície. Tudo estava, de acordo com o texto
de Filolau: "Julguem-se as funções e as essências do número de acordo com
a potência do número dez; porque ele é grande, é aquele que tudo
completa".
Pelo número 4 e o 10 os
pitagóricos juravam. "Juro-te, por aquele, que transmitiu à nossa alma o
sagrado quaternário" (Versos
de ouro, 46) (vd
também Luciano, De lapsu inter salut., 5).
O juramento ante o Dez se
fazia frente à misteriosa figura do tetraktys.
Os Números
Como Arquetipos - O caráter exemplarista dos
números é uma particularidade importante do pitagorismo. Por este caminho
influenciou a filosofia de Platão, o qual estabeleceu a doutrina das idéias
arquétipas. Primeiramente, a doutrina pitagórica estabeleceu que tudo era
constituído de números. Tal doutrina se desenvolveu sobretudo com Filolau. A
seguir passou esta doutrina dos números a desenvolver o princípio de
exemplarismo, o que já um novo detalhe.
Caracteriza-se qualquer
exemplarismo pelo fato de admitir que todo o indivíduo se cria obedecendo a um
modelo geral anterior. A perfeição se dá na medida que o indivíduo modelado se
aproxima do exemplar absoluto. De acordo com a doutrina pitagórica o modelo é o
número. De uma parte, estão colocados como modelos os números: linha, área,
esfera, etc. De outra parte surgem os números individualizados: linhas
individuais, áreas individuais, esferas individuais, etc. Efetivamente, se
atender ao que se observa, por exemplo, uma roda concreta, pode-se imaginar imediatamente
a idéia abstrata de roda, e situá-la como independente desta realização
concreta.
A questão que
imediatamente se ergue, é a de como interpretar a natureza do arquétipo. Os
pitagóricos destacaram o número, Platão a idéia real, Aristóteles um elemento
absoluto sem separá-lo dos indivíduos. Finalmente os relativistas de toda a
espécie simplesmente negam o exemplarismo ontológico. Sobre o exato alcance do
exemplarismo defendido pela escola pitagórica não restam muitos informes,
sobretudo não sobre as provas. Mais resta sobre o exemplarismo de Platão, que
teria apelado aos universais reais, porque pensava não poder apoiar-se nas
coisas singulares. Infere-se que os pitagóricos também tenham pensado, e já
anteriormente.
Ao tratar Aristóteles do
exemplarismo platônico, fez uma breve menção da origem pitagórica desta
doutrina, advertindo que Platão trocou o número pelas idéias. O mesmo
Aristóteles defendeu um exemplarismo muito moderado. Aceitou, como Parmênides,
a verdade ontológica, segundo a qual todo o ente obedece a um esquema racional.
Este esquema é representado pelo conteúdo das idéias universais. Em Platão os
arquétipos exemplares são idéias universais reais, enquanto em Aristóteles todo
absoluto é interno ao mesmo indivíduo, no sentido de que não existem idéias
universais reais separadas.
Depois dos sistemas vem a
filosofia de Platão, que a muitos respeitos segue a estes pensadores [os
pitagóricos], mas tem características próprias, que a apartam da escola
itálica. Tendo-se familiarizado desde jovem com Crátilo e as doutrinas
heraclíteas (de que todas as coisas se encontram em perpétuo estado de fluxo e
que não se pode ter conhecimento delas), manteve mais tarde essas opiniões.
Sócrates, no entanto,
ocupava-se com questões éticas e negligenciava o mundo como um todo, mas
buscava o universal nesses assuntos de Ética e, pela primeira vez, aplicou o
pensamento às definições. Platão aceitou sua doutrina, sustentando, porém, que
o problema não dizia respeito às coisas sensíveis e sim a entidades de outra
espécies – e, por este motivo, a definição comum não podia versar sobre
qualquer coisa sensível, uma vez que estas mudavam constantemente.
A essa outra espécie de
coisas chamou Idéias (ou formas), dizendo que os sensíveis
eram denominados de acordo em elas e em virtude uma relação com elas: pois o
múltiplo existe graças à participação nas Idéias que com eles têm o nome em
comum. Aqui só existe de novo o termo participação, pois os
pitagóricos dizem que as coisas existem por imitação dos números, e Platão, por participação,
mudando apenas o nome. Mas quanto ao que seja imitação ou participação nas idéias, deixaram a questão
aberta" (Metafísica,
I, 6. 987a 29 – b –13).
Na Idade Média Tomás de
Aquino fez de Deus criador o exemplar único de todas as coisas por ele criadas.
O contexto é todo outro, por causa da introdução do conceito de criação, e
ainda porque Deus é considerado infinito. Assim sendo, não poderia a criatura
não poderia ser senão a imitação de algum aspecto da divindade. A posição de
Tomás de Aquino conjuga em um só sistema o platonismo e o aristotelismo.
Possivelmente os
pitagóricos se fundavam no mesmo argumento de Platão. Segundo este, conforme a
citação feita "não é possível que a definição universal esteja em algum
das coisas sensíveis individuais", e por este motivo, "a definição
comum não podia versar sobre qualquer coisa sensível, uma vez que estas mudavam
constantemente".
Os
Contrários - Fundamentalmente, a
natureza é composição de elementos contrários, - o finito e o infinito, o calor
e frio, o pleno e o vazio, a matéria e o espírito, o par e o ímpar, o masculino
e o feminino, o bem e o mal, e assim por diante. Há uma distinção entre a
contrariedade e os mesmos elementos que se situam em contrariedade. Há, pois,
como tratar primeiramente da contrariedade simplesmente e depois dos elementos
em contrariedade.
Por causa da
contrariedade, a doutrina pitagórica se apresenta claramente diversa da dos
filósofos jônicos de Mileto (Tales, Anaximandro, Anaxímenes). Esta harmonia de
contrários se complementando entre si é precursora da teoria platônica e depois
também aristotélica da composição dos corpos de matéria e forma. Como se sabe,
o atomismo tem dos corpos a compreensão de elementos inteiramente simples.
Diferentemente, o hilemorfismo, como se veio a denominar, a teoria da
composição dos corpos em matéria e forma, entende as coisas como estrutura de
um elemento indeterminado e outro determinador. Tal nova doutrina terá
diferenciações na sua concepção, mas fundamentalmente é igual em todos os que a
adotaram.
Todavia nem tudo é novo no
pitagorismo sobre a harmonia dos contrários. O orfismo, cujo representante à
época de Pitágoras fora Ferécides de Siros, já vinha insistindo na composição
dos contrários. Mais remotamente a doutrina vem do mitraísmo e mazdeismo da
Pérsia. já continha tais princípios . A insistência se encontrava sobretudo nos
contrários do bem e do mal, do espírito e da matéria. Agora os pitagóricos
passam a desenvolver tais idéias, aperfeiçoando-as filosoficamente. E
finalmente as transferem ao sistema do platonismo, já agora bastante desligadas
do mito.
Com referência à escola
eleática (Xenófanes, Parmênides, Zenão) também ela foi influenciada pela
consideração dos contrários, todavia somente para o mundo físico exterior
alcançado pelos sentidos. Diferentemente, a verdade da inteligência, que trata
do ente, encontra a este como homogêneo. A realidade da inteligência é
verdadeira, enquanto que a dos sentidos é ilusória.
Platão, - discípulo que
foi dos mestres eleaticistas da escola de Mégara e frequentador dos meios
pitagóricos do Ocidente, - manterá a restrição contra o mundo material.
Finalmente Aristóteles estabelecerá uma filosofia em que sensação e razão se
coordenam.
Ainda quanto aos
pitagóricos há a anotar que, ao tratarem dos contrários, não se ocuparam quanto
os eleatas, com o ser e o não ser. Ficaram os pitagóricos retidos em
contrariedades particulares, como a oposição entre finito e infinito, par e
impar, espírito e matéria, bem e mal, quente e frio, etc. Também estes
contrários particulares são de importância. Todavia, eles dependem de
questionamentos maiores, e que se situam no plano mesmo do ser. No futuro foi
levantada pela filosofia dialética de Fichte, Schelling, Hegel, Marx a
possibilidade de que a contrariedade incluiria um terceiro elemento, a síntese
dos contrários, estes ditos tese e antítese.
A este respeito importa
considerar que a antiga noção de contrariedade era a da contrariedade à
identidade. Esta contrariedade à identidade, peculiar sobretudo à lógica de
Aristóteles, entende que o ente é tudo, o não ente é nada, não podendo portanto
do ser e do não ser resultar uma nova síntese.
Restam ainda fragmentos e
doxografias sobre a teoria dos contrários oferecida pelos pitagóricos. Filolau,
assevera em seu tratado Sobre a natureza: "A natureza – o cosmo e tudo nele
contido – forma um todo harmônico, do infinito e do finito" [fragmento 1,
de Filolau] (D. L., VIII, 85). "O pitagórico Filolau afirma serem
princípios o finito e o infinito" (Aécio, 3, 10). "Ao princípio da unidade,
do ser idêntico e igual, chamou-se Uno. Em contrapartida, chamou-se dualidade,
ao princípio da diversidade e da desigualdade, de tudo o que é divisível e
mutável, e ora se acha em um estado, ora em outro" (Porfirio, Vida
de Pitágoras, 52).
" Ao mesmo tempo
todos os entes necessariamente são finitos e infinitos. Não podem todos ser
apenas finitos, ou apenas infinitos. Pelo fato de os entes não serem formados
apenas de elementos finitos, ou apenas de elementos infinitos, fica evidente
que o cosmos e as coisas nele contidas são compostos de elementos finitos e
infinitos. Os fatos o confirmam, porque entre eles, aqueles constituídos de
finitos são finitos; de finitos e infinitos são finitos e infinitos; de
infinitos são infinitos" (frag. 2 de Filolau. Stobeu, Éclogas,
I, 21, 7 a).
"Efetivamente se tudo
fosse infinito [indefinido], não haveria sequer objeto de conhecimento"
(frag. 3, de Filolau, em Jâmblico, Nicômaco, p. 7, 24).
"O número tem duas espécies peculiares – pares e impares; e a terceira,
resultante da mistura destes dois – par e ímpar. De ambas as espécies derivam
muitas formas, e que cada uma demonstra por si mesma" (frag. 5, de
Filolau, em Estobeu, Éclogas, I, 21, 7 b).
Aristóteles informou
vastamente sobre o contrário na doutrina pitagórica. Depois de haver exposto a
doutrina dos pitagóricos sobre a essência das coisas, passou a destacar os
componentes par e ímpar. "Eles [os pitagóricos] também consideram o número
como princípio, tanto na qualidade de matéria das coisas, como de origem de
suas modificações e estados permanentes, afirmando que os elementos do número
são par e ímpar, e que, dos dois, o segundo é limitado e o primeiro, ilimitado;
e que a unidade procede de ambos (sendo, ao mesmo tempo, par e ímpar), e que o
número procede da unidade; e que dos números se constituiria, com o já se
disse, o céu inteiro" (Metaf.,
986a 15-22).
Outros entre estes
filósofos propuseram dez princípios, que eles ordenaram em séries paralelas:
Finito e infinito; Par e
ímpar; Uno e múltiplo; Direita e esquerda; Macho e fêmea; Repouso e movimento;
Reto e curvo; Luz e trevas; Bom e mau; Quadrado e oblongo" (Metaf., I, 5. 986 a
15-26).
Também este é o ponto de
vista Álcmeon, ainda que não tão preciso na contrariedade: "É deste modo
que Álcmeon de Crotona também parece ter concebido o assunto, opinião que ele recebeu
dos pitagóricos ou estes dele, pois tanto um como os outros se expressam de
maneira semelhante. Diz Álcmeon que a maioria das coisas humanas anda aos
pares, sem se referir, no entanto, a oposições definidas como as de que falam
os pitagóricos, mas a quaisquer oposições que o caso nos possa deparar, como
preto e branco, doce e amargo, bom e mau, grande e pequeno. Alude vagamente aos
outros pares de opostos, enquanto os pitagóricos definem com precisão quais e
quantos são eles.
De ambas estas escolas se
depreende, por conseguinte, que os contrários são os princípios das coisas; e
quantos e quais sejam esses princípios, podemos sabê-lo de uma delas" (Metaf., 986a 23 – 986b 8).
Ocorre paralelismo entre
as duas classes de contrários. O par, por exemplo, é idêntico ao infinito, o
par inverso ao finito. Na mesma espécie de contrário as características são
desta espécie; por isso o infinito parece par, o finito ímpar. "O par é
infinito, e o par contrário é finito" (Arist., Metaf.,
I, 5. 986a 20). A divisibilidade do par, eis a explicação de seu caráter
infinito. "Estes [os pitagóricos] disseram que o infinito é o número par,
porque o par se divide em partes iguais, e este, que se divide em partes
iguais, pode indefinidamente dividir-se por dois, De outra parte, no ímpar o
recebimento de algo o limita, não permitindo a divisão em partes iguais"
(Simplicio, Física 545, 20).
Natureza do infinito. A
natureza do infinito pitagórico é uma espécie de indefinido, inferior portanto
ao finito bem definido. É qualquer coisa como a potência real. Não se consegue
entender exaustivamente o infinito pitagórico por falta de informações e também
por causa do defeito da doutrina mesma. Este infinito vazio dos pitagóricos é
uma espécie de espaço real, no qual são recebidos os corpos. A infinitude não é
determinação dos mesmos seres. Nem mesmo o infinito é uma propriedade do ente
simplesmente. Ele mesmo, por si, é um ser por si. "Afirmam também os
pitagóricos que há o vazio. Que, a partir do sopro ;ilimitado, penetra até o
céu , que absorve por sua vez, o vazio, o qual delimita as naturezas dos
corpos, por ser o vazio uma separação e distinção das coisas colocadas umas
após outras. Dizem que isto acontece principalmente nos números, visto que o
vácuo distingue a natureza dos mesmos" (Arist., Física,
IV, 6. 213b 22).
Nesta condição, o vácuo se
exerce como realidade, ainda que sui generis. Seria um espaço real, entende como
ente capaz de receber corpos. Não coincidindo este vácuo real com o próprio
ente, não seria ele um predicado do ente infinito, mas o próprio infinito seria
um ente. "Não consideram os pitagóricos e Platão o infinito como acidente
(atributo) de outra substância, mas por si, como substância ele mesmo. Os
pitagóricos; o incluem entre as coisas sensíveis... e (contra Platão) dizem que
o infinito é o que está fora do céu" (Arist., Física,
III, 4. 203b 1-9).
Portanto, o cosmo vai até
certa distância, e para além vai o espaço sem fim como um vácuo real, exterior
ao céu astronômico. Estobeu repete a mesma informação sobre o vácuo pitagórico,
dizendo que ele distingue os lugares de todas as coisas, e que ele separa os
números" (Estobeu, Éclogas, I, 18,1).
Distinguiu Filolau o mundo
superlunar, cujo nome é Cosmo, do mundo sublunar, cujo nome é Céu. Quanto ao
céu, ele contém os seres da geração inconstante" (Aécio, II, 7, 7). Em
relação ao Olimpo, ele é a parte mais alta do cosmo. Note-se que o conceito
pitagórico sobre o váculo como entidade subsistente passou aos atomistas, cujos
átomos são mergulhados no referido váculo, onde nele se movimentam. Eis um
conceito que subsiste inconscientemente entre os físicos modernos e que não
tem, nem base; científica, porquanto o vácuo em si mesmo é algo paradoxal.
Entre os pitagóricos
mesmos variam os conceitos sobre o infinito e o vácuo. O mestre Pitágoras
acrescentou ao infinito a qualidade de trevas. Este modo de pensar
possivelmente chegou a ele através de mitos do Oriente, os quais caracterizam o
caos como sem luz. Também a Bíblia judaica recebeu tal influência, porque Deus
cria a luz já no primeiro dia (Gen 1,3). A inferioridade do infinito sem luz de
Pitágoras mostra-se também no número par. Os pitagóricos o mostram com
exemplificações: "Ao se distribuírem as partes, resta uma parte no centro
do impar; resta o váculo no par, portanto número imperfeito e incompleto"
(Plutarco, em Estobeu, I , 22, 19).
Vejam-se as figuras, com
as quais os pitagóricos explicam suas afirmativas. Na primeira linha os pontos
não encontram o ponto do meio e por isso podem sempre multiplicar-se. Na
segunda linha o ponto do meio – ímpar – não permite a progressão dos pontos. Os
ocidentais tendem contra este conceito obscuro. Por exemplo, os filósofos
eleáticos, se caracterizam por aperfeiçoarem a noção sobre Deus. Xenófanes diz
sobre Deus, que "Ele tudo vê, tudo ouve, mas não respira. Ele é ao mesmo
tempo tudo, intelecto, sabedoria, eternidade" (D. Laércio, IX, 19).
O mesmo repete Parmênides,
porque para ele o ente é sempre completo (Frag. de Parmênides 8,1). Filolau e
os pitagóricos da nova liga geralmente asseveram, que o infinito é algo
luminoso, que eles nomeiam éter. No grego este nome significa não
somente a região superior do céu, mas também fogo, brilho. Outro nome deste
fogo exterior é empírio, do adjetivo (=
abrasador).
Alguns sugerem ser o
infinito como o ar. Desta idéia deriva a outra sugestão, que o infinito penetra
o cosmo interno, como o ar que este respira. Árquitas tentou provar a
infinitude do espaço por meio de um exemplo curioso: "Árquitas, segundo o
dizer de Eudemo, argumenta assim: Se acaso eu chegasse à esfera exterior, a das
estrelas fixas – poderia eu estender, ou não, mais além a mão, ou o bastão?
Seria absurdo que não o pudesse; contudo, se eu pudesse fazer isto, tal
significaria, que ainda existe mais espaço e matéria... Isto eu poderia fazer
em cada novo limite fixado e argumentar pela mesma forma. Enquanto resta algo,
em direção do que estender o bastão, é evidente, que isto será também
infinito".
A imagem pitagórica do
mundo é o da esfera, em cujo interior operam 4 elementos - fogo, água, terra,
ar. Os elementos podem misturar-se, mas o contorno consiste em puro fogo. Este
circundante se chama também empírio, ou céu,
ou ainda éter.
Eis, segundo Filolau:
"E os corpos [elementos] são cinco: dos quatro internos à esfera - fogo,
água, terra, ar, - e o navio" [fragmento 12] (em Teo de Esmirna 106, 10).
Evidentemente, "navio" é apenas uma comparação com este instrumento
de navegação.
Com referência à região
exterior, ela é concebida como fogo. Etimologicamente, o seu nome éter,
significa algo efetivamente luminoso. E assim também empírio deriva de palavra que em grego
significa fogo. Do empírio procedem as almas e para ele retornam
depois da morte dos corpos. Elas vêm do céu e para ele retornam. Persistiu o
conceito do empírio na filosofia platônica e passou
finalmente para a teologia cristã.
São Paulo, falando sobre o
terceiro céu, diz que ele, em espírito, fora raptado até ele. Conforme a imagem
antiga, o primeiro céu é o sublunar, o segundo aquele dos astros, o terceiro
fora da região dos astros, o empírio. Somente nos tempos modernos foi
removida esta convicção, e mesmo assim apenas na área científica. Culturalmente
a massa popular continua vivendo a imagem pitagórica do terceiro céu acima das
estrelas, e o céu continua a ser referido poeticamente como lá
no empírio.
Ocorre uma semelhança
entre os conceitos da física pitagórica e os de Empédocles de Agrigento. Este é
da escola jônica, ainda que nascido no Ocidente. Como se sabe, Empédocles
apresentou como elementos constitutivos originários das coisas uma sequência de
quatro, - fogo, água, terra e ar. Adotou também Aristóteles estes esquema. Em
Platão, mas no duvidoso Epínomis (981), se encontra uma doutrina
curiosa, atribuída por ele a Teeteto, e que contém algo de pitagórico, ao mesmo
tempo que jônico. Identifica os elementos originários, em número de cinco
sólidos, aos diferentes poliedros: fogo, terra, ar, água, éter.
Aécio (II, 6, 5) opina,
que aqui Platão está sendo pitagórico. Mas, talvez. Porque esta nova forma de
pitagorismo poderia ter sido criada ao tempo de Platão, mas não pelo mesmo
Platão.
A
Cosmogonia Pitagórica - não é mítica, porque o mundo se originou em consequência de
leis naturais, de acordo com as quais se processa a mistura dos elementos.
Muito progrediu a astronomia com a idéia do fogo central, em torno do qual
giram a Terra e os astros.

Mas este fogo central não
é o Sol, nem é visível a nós, porque estamos situados na face exterior. Somente
na época moderna o sistema pitagórico se aperfeiçoará definitivamente. Enquanto
outros permaneciam religiosamente geocentristas, os pitagóricos haviam chegado
ao menos à idéia do fogo centro, com os astros girando em torno.
Na face oposta ao fogo
central ia a Antiterra, que também não se vê. Estes outros astros vão
igualmente em torno do fogo central. No todo os astros visíveis eram nove, e
somente por hipótese se podia saber a respeito de mais um. Existe, pois, a
Antiterra, para que se completasse o número dez, o número da perfeição.
Diz-se no texto muitas
vezes citado: "O número 10 é considerado perfeito e contendo em si a
natureza de todos os números, dizem eles [os pitagóricos], que os corpos que se
movem através dos céus, são dez; ora, os corpos
visíveis são apenas nove, de maneira que, para vencer a dificuldade, inventam o
décimo , - a Antiterra" (Aristóteles, Metafísica, 986a 12).
Similarmente especulativo
era o argumento em favor do fogo central. Por causa da importância do centro,
ali não poderia localizar-se a Terra, mas somente o fogo, o mais significativo
dos elementos. Finalmente também na beira exterior tudo era fogo, formando o
circundante.
Rotação da
Terra sobre si mesma - foi
mais uma inovação atribuída principalmente aos pitagóricos, mais
especificamente a Hicetas, Ecfanto, Filolau de Crotona. Levará mais algum
tempo, para que outros mais avencem a teoria heliocêntrica do movimento da
Terra em torno do Sol. "Filolau... foi o primeiro a ensinar que a Terra
tem movimentos de rotação sobre si mesma. Outros atribuem a primazia deste
descobrimento a Hicetas de Siracusa" (D. Laércio, VIII, 85).
"O pitagórico Filolau
situou o fogo no centro, a Antiterra no lado oposto e em segundo lugar, a Terra
povoa em terceiro lugar, ambas em oposição e girando" (Aécio, III, 11, 3).
"Os outros filósofos afirmam, que a Terra permanece em repouso. Mas o
pitagórico Filolau afirma a rotação em torno do fogo central, e isto em círculo
obliquo, como também o diz do Sol e da Lua" (Aécio, II, 13, 1). Platão,
ainda que pitagórico em muitos aspectos, continuou fiel à antiga hipótese
geocêntrica. Informa com detalhe Aristóteles sobre as opiniões astronômicas dos
pensadores gregos, até porque ele mesmo escreveu um tratado Sobre
o céu:
"A maior parte dos
filósofos afirma que ela [a Terra] está situada no centro do mundo, e com
efeito estes são todos aqueles que consideram o céu como finito [no contexto se
trata de Anaxágoras, Anaximandro, Empédocles, Demócrito, Platão].
São de opinião contrária
os representantes da escola itálica, que se denominam pitagóricos. Para estes
últimos é o fogo que ocupa o centro. A Terra é somente um dos astros, e é ela,
pelo seu movimento circular ao redor do centro, que produz o dia e a noite.
Além disto, eles constróem uma outra Terra, contrária à nossa e que ele
designam a Antiterra" (Arist., Do céu, 293a 18-24).

Comenta Aristóteles sobre
os argumentos especulativos dos pitagóricos: "Eles não procuram as razões
e as causas nos fenômenos, mas solicitam os fatos para os fazer entrar de
acordo com certas teorias e opiniões que lhes são próprias no afã de os combinar
todos. Também há outros filósofos que estão de acordo com eles, enquanto
reconhecem que não se deve localizar a Terra na região central e colocam sua
convicção, não nos fatos, mas nos raciocínios.
Pensam que cabe ao corpo
mais nobre situar-se na região mais nobre; o fogo, conforme eles, seria mais
nobre que a terra, e o que estiver no limite, mais nobre que as coisas que se
encontram no intermédio; ora a extremidade e o centro (de uma esfera) são o
limite, e por conseguinte tomando estas considerações por ponto de partida de
seu raciocínio, eles acreditam que não é a terra que ocupa o centro da esfera,
mas antes o fogo" (Arist., Do céu, 293, 35-29b 1. Vd
também Metaf., 986a 1-13).
Como avaliar estes
argumentos especulativos? A nobreza do fogo é apenas um ponto de vista do
homem. Assim também ocorre com a nobreza do centro, do alto, do lado direito. O
centro físico do homem é o umbigo, o centro animal é o coração (Simplício, 514,
8 ss.). No pensamento de Aristóteles o centro do mundo é a Terra. Contudo, Aristóteles
não podia ter reduzido a uma especulação pura e simples da razão. Tinham os
pitagóricos fatos a explicar, como o dia e a noite; estes fenômenos receberam
ao menos melhor esclarecimento na astronomia dos mesmos, e que confirmavam as
sugestões aduzidas pelas especulações.
"Os pitagóricos
apresentam ainda outro argumento. Eles asseveram que a parte mais fundamental
do universo deve ser a melhor guardada e esta parte é o centro. Eles a chamamCidadela de Zeus [Platão, Timeu,
40c] e é o fogo, que ocupa esta região. Como se centro fosse um termo tomado em
um sentido simples, e que o centro da grandeza fosse também aquela coisa e seu
centro natural. Pelo contrário, nos animais o centro do animal não é o mesmo
que aquele do corpo, de onde ser preferível atender a aquilo que efetivamente
se passa no caso do Céu todo inteiro.

A este respeito não há
como se preocupar com o universo, introduzindo nele uma cidadela! Mas se deve,
antes, procurar o centro efetivo, e dizer o que ele é, onde ele naturalmente se
encontra situado. Este centro será um princípio e uma realidade preciosa, visto
que o centro puramente local parece dever ocupar antes o último lugar que o
primeiro, porque o que é definido é o meio, e o que define é o limite"
(Arist., Do céu, II, 13. 293b 1-13).
Mais informações de
Aristóteles: "Todos os negadores da localização da Terra no centro pensam
que ela gira em torno deste centro, e não somente a Terra, mas também a
Antiterra acima citada. Alguns acreditam que podem existir mais corpos se;
movendo em torno do centro, corpos invisíveis por causa da intercalação da
Terra. Eis uma explicação, segundo eles, por causa do maior número de eclipses
da lua, que do Sol, por que cada um dos corpos em movimento, não somente a
Terra, podem posicionar-se ante a Lua" (Arist., Do
céu, II, 13. 293b 17-25).
O jônico Anaximandro havia
explicado os eclipses pela falta de luz, por causa da obstrução das aberturas
pelas quais saia o fogo dos astros. Na explicação pitagórica os eclipses passam
a ser melhor compreendidos. "A ele [Pitágoras] se deve também, conforme
Parmênides, a descoberta de que Fósforos [Estrela Matutina] e Hésperos [Vênus] são um só e mesmo astro"
(D. Laércio, VIII, 14).
O Trono de
Deus - O fogo
central exerce uma função no todo como cidadela de Deus, ou Custódia
de Deus, ou ainda como Trono de Deus. Neste sentido se tem uma informação de
Simplício, um comentarista de Aristóteles, e que contém um fragmento deste:
"Eles dizem que o
fogo central é a potência demiúrgica, que a partir do centro vivifica toda a
Terra e aquece a sua frialdade. Alguns a chamam por isso Cidadela
de Zeus (como ele,
Aristóteles, relata no livro Sobre os pitagóricos),
outros Custódia de Zeus (como diz aqui em Do
céu), outros, Trono de Zeus. Além disto
diziam que a Terra é astro, enquanto instrumento do tempo, causa dos dias e das
noites. A parte iluminada pelo lado do Sol produz o dia; a noite é
gerada pela parte orientada para o cone da sombra" (Simplício, Do
céu, II, 13, com o frag., 204, Sobre os pitagóricos).
Finalmente e melhor
Heráclides do Ponto – pitagórico do séc. IV a.e.c., que passou para a Academia
de Platão a convite de Espeusipo, - situou no centro o Sol. Aristarco de Samos
– do séc. III a.e.c. aperfeiçoou esta teoria heliocêntrica.
As Esferas
Celestes - Para sustentação
dos astros nas alturas, eis uma convicção curiosa dos antigos. Eles não
conseguiam conceber o posicionamento no espaço sem um sistema corporal de
apoio. A Terra paira no espaço, - dizia o jônico Anaxímenes, - mas apoia sobre
o ar.
A Bíblia judaica afirma
que Deus criou o firmamento no segundo dia (Gênesis, 1, 6) e os astros no
quarto dia (Gênesis1,16). O velho erro persistiu até os tempos modernos, quando
se desenvolveu a teoria da gravidade e toda a sua mecânica, sobretudo a partir
de Galileu 1564-1642 d.e.c. e Kepler 1571-1630 d.e.c.
Havendo dado à Terra a
condição de um astro, os pitagóricos também lhe atribuíram uma esfera para se
mover em torno do fogo central. Nós homens não a vemos, porque vivemos na outra
face. Eis a sequência das esferas, pela ordem, a partir do fogo central:
Antiterra, Terra, Lua, Sol, cinco planetas, céu das estrelas fixas.
Os pitagóricos ainda não
distinguiam entre a Lua como satélite da Terra, e os outros astros. Estes
outros astros eram: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno.
Faltam nesta lista dos
astros pitagóricos: Urano (descoberto em 1781), Netuno (em 1846), Plutão (em
1930).
Com referência à
Antiterra, efetivamente não existe.
"Um é o cosmo, e
começou a se formar a partir do centro, e deste centro para cima com os mesmos
intervalos de distância que em baixo. O que está acima, está em oposição ao que
está em baixo. O que está em baixo está em relação invertida com o que está em
cima. [frag. 17 de Filolau, de Estobeu, Éclogas, 1, 15, 7).
No final do período
pré-socrático, quando aconteceu a evolução geral da filosofia e das ciências,
também progrediram as artes, inclusive a música. Os pitagóricos, como
decorrência de suas doutrinas sobre os contrários, atingem uma interpretação
sistemática da harmonia dos sons. Eis o início da ciência e da filosofia sobre
a música, em que se destacam algumas contribuições teóricas de Filolau de
Crotona e de Árquitas de Tarento. Descobrindo, que acontece uma relação entre
os sons e o número de grandeza, os pitagóricos entraram pelo reto caminho.
A harmonia - Os pitagóricos
exploraram a natureza da harmonia das partes. Para eles a harmonia resulta da
coordenação de elementos contrários, também no que se refere aos sons musicais.
A harmonia dita em termos genéricos, por Filolau: "É a harmonia a
unificação de muitos misturados, com a concordância dos discordantes"
(Frag. 6, de Filolau, citado por Nicômaco, Aritmética, II, 19, p.
115, 2).
Sobre a geral harmonia
entre os contrários, eis outro fragmento significativo de Filolau: "Dá-se
o seguinte com a natureza e a harmonia: Requer a essência das coisas e a
própria natureza um conhecimento divino, e não apenas humano. Seria
absolutamente impossível que alguma das coisas existentes se fizesse conhecida
de nós, se não houvesse a essência das coisas, das quais se constituiu o cosmo,
tanto das limitadas, como das ilimitadas.
Não sendo estes princípios
iguais (1 e 2), nem de iguais famílias, teria sido impossível criar com cosmo
com eles, sem o acréscimo da harmonia, qualquer seja a modalidade desta.
Coisas iguais e
aparentadas não reclamam a harmonia. Diferentemente ocorre com as coisas
desiguais, não igualmente dispostas e não de famílias iguais, precisam da
harmonia para serem contidas em uma ordem" [frag. 6, de Filolau, em
Estobeu, Éclogas, I, 21, 7d).
Prossegue o fragmento de
Filolau, com raros detalhes sobre a harmonia, ou oitava: "Abrange a
harmonia (oitava 1:2) uma quarta (3:4) e uma quinta (2:3). A quinta, - por um
tom inteiro, - é maior que a quarta.
Pois [traduzido em notação
moderna], ocorre uma quarta, do Mi grave ao Lá; uma quinta, do Lá ao Mi agudo.
Uma quarta, do Mi agudo ao Si. Uma quinta, do Si. É de um tom, o intervalo de
Lá a Si. A quarta contém a relação 3:4. A quinta, 3:3. E oitava, 1:2.
Abrange, pois, a harmonia
(oitava), cinco tons, e dois. E a quarta, dois tons e um semitom" (2-a
parte do frag. 6, de Filolau).
A música
dos astros - Fizeram ainda os pitagóricos uma aplicação especulativa
curiosa sobre os movimentos dos astros e das esferas celestes, induzindo que
ali acontecem sons harmoniosos. Diziam que a gente não os ouve, por causa de
nosso costume desde o nascimento. Platão tratou mitologicamente sobre estes
sons cósmicos (República,
X, 616c), certamente sob influência pitagórica.
Opinou contrariamente
Aristóteles, que, depois de um comentário sobre as esferas celestes, disse
conclusivamente: "Estas considerações mostram, que a teoria, segundo a
qual os movimentos dos astros geram a harmonia de um acorde musical, apesar da
elegância e da originalidade dos defensores disto, não é verdadeira.
Alguns filósofos dizem que
dos movimentos dos grandes corpos necessariamente decorre som, porque isto já
acontece sobre a nossa Terra, ainda que com corpos não tão grandes e nem
movidos tão rapidamente. Consequentemente, não é possível que os astros, embora
grandes, mas se movendo rapidamente, não produzam fortes sons. Apoiando-se
sobre tais razões, e sobre o fato, que a rapidez depende da distância,
asseveram que o som produzido pelo movimento circular dos astros é harmonioso.
De outra parte, por não
ser normal, que ouçamos tais sons, eles explicam que o som já existe em nós por
nascimento, restando indistinto, do seu respectivo som contrário, o silêncio.
Som e silêncio são sons contrários. Acontece a nós o mesmo que ao forjador, o
qual perde a diferença por efeito do costume. Mas, os fatos não provam
isto" (Aristóteles, Do céu,II, 10. 290b 13-32)
(vd também Simplício, 463, 23).
Obviamente, os pitagóricos
ainda não conheciam o detalhe, de que pelo vácuo não fluem os sons, de sorte
que os astros no espaço não poderiam provocar sons, apesar de seus movimentos
velozes e cíclicos.
Árquitas
de Tarento - Contemporâneo e amigo de Platão, escreveu detalhadamente
sobre alguns temas da música. Um fragmento notável e relativamente longo, de
sua obra denominadaHarmonia,
chegou até nós através de Porfírio.
"Os matemáticos
parecem ter alcançado grande discernimento e não admira que houvessem opinado
corretamente sobre as mais diversas coisas. Uma vez alcançado o conhecimento do
todo, podiam também derivar para a compreensão das coisas particulares.
Transmitiram-nos claros conhecimentos a velocidade dos astros, do surgir e
declinar dos mesmos; sobre a geometria, os números, e ainda sobre a música.
Estas ciências se entreligam porque tratam de coisas relacionadas entre si,
porquanto tratam das primeiras formas do ente, o número e a grandeza.
Constataram que o som não é
possível, sem haver choque entre os corpos, e o choque acontece quando corpos
em movimento se encontram. Os corpos que se encontram em direção oposta
produzem um som por efeito simultâneo. Os que se movem na mesma direção e com
desigual velocidade, produzem som ao se atingirem, batidos pelos que vêm atrás.
Muitos destes sons deixam
de ser audíveis por causa de sua natureza de serem produzidos, - uns por causa
da pouca força do choque; outros por causa da grande distância em relação a
nós; e outros ainda por causa de nossa distância; outros ainda por causa do
excesso da força atida, porquanto não penetram nossos ouvidos, do mesmo modo
como nada se mete em vaso de pouca abertura quando se derrama algo excessivo.
Entre os sons, que chegam
aos nossos sentidos, são agudos aqueles, que chegados rápida e fortemente, e
são baixos os chegados devagar e fracamente. Se alguém move uma vara lentamente
e com pouca força, produzirá um choque de som baixo; mas se a movimentar
rapidamente e com força, um som agudo. Não somente se pode sabê-lo por este
modo, mas também por outro, como quando, falando ou cantando, emitimos som mais
forte mediante forte respiração.
Também isto acontece ao
jogarem-se objetos. Os que são atirados com força se projetam longe, e os sem
força, perto. Para os projetados com força, o ar cede mais. Para os outros,
menos. Ora, acontece o mesmo com os tons: emitido o som com forte expiração, o
tom soa forte e agudamente. Com expiração fraca, ele soa fraco e grave.
Constata-se isto também na seguinte prova, de muito valor: o mesmo homem
emitindo um som alto, pode ser ouvido ao longe, e o emitindo baixo não o é nem
de perto.
Semelhantemente, acontece
com as flautas, - o ar lançado aos orifícios perto da boca, emite um som mais
agudo, por causa da maior força; aquele lançado aos orifícios mais distantes,
um som mais grave. Evidencia-se, pois, que o movimento rápido produz som agudo,
e o mais lento, som grave. Também acontece o mesmo com os instrumentos de
ruído, movidos durante as cerimônias dos mistérios. Quando movidos lentamente,
produzem som grave; fortemente, som agudo.
O mesmo acontece com a
flauta. Se se fechar a parte inferior, o assoprar produz som grave; mas se na
parte média, ou noutro lugar, o som será agudo. O mesmo ar passa fracamente no
espaço longo e forte no espaço curto" (frag. 1, de Árquitas de Tarento, em
Porfirio, Harmonia de Ptolomeu, p.
56).
O texto se alonga ainda
sobre a análise do movimento, para finalmente repetir a conclusão: "Os
sons agudos se movem rapidamente, os graves mais lentamente, por muitos
exemplos" (Idem).
A Matéria
e o Espírito - O espírito como pneuma. Os conceitos de finito e de
infinito dos pitagóricos contêm algumas curiosidades, porque eles são os mais
significativos contrários de suas doutrinas sobre o ente. O finito está situado
no centro. Ele constitui o mundo sublunar e o cosmos. O infinito é o vazio sem
fim – o vácuo, onde subsiste contudo algo não de todo definível, - o caos.
Ali se encontra a
respiração, que é o espírito, ainda que não como a materialidade sublunar. O
espírito como matéria muito especial. Apesar de tudo, o espírito é material,
ainda que diferente da matéria corporal. Esta espécie de espírito, concebido
como matéria totalmente diversa, se reencontra depois nos círculos
neoplatônicos, e mesmo na filosofia neoplatônica cristã, por exemplo, de
Agostinho de Hipona.
Para estes filósofos a
alma é uma composição muito especial de matéria e forma, ou seja de uma matéria
diferente daquela dos corpos. Este modo de pensar tem na base o princípio que
toda a criatura, inclusive a alma, deva ser necessariamente material. Somente
seria peculiar a Deus o ser exclusivamente espiritual. Inversamente,
Aristóteles e depois o cristão Tomás de Aquino defenderão que a alma
essencialmente é somente forma, sem qualquer matéria. Mas esta forma se une em composição
substancial com o corpo material, para constituir o ser humano. Neste caso, o
espírito continua exclusivamente espiritual, embora assuma o corpo sob seu
substancial poder.
No pitagorismo e
platonismo a alma não precisa ser a forma do corpo, cabendo-lhe simplesmente
morar nele, como um espectro na máquina, ou como o piloto no navio. Dualismo
radical de corpo e espírito. Para os pitagóricos, a essência da alma é
totalmente diversa do corpo, conforme a doutrina dos contrários entre si
irredutíveis e portanto intrinsecamente insociáveis. Este é um dualismo
radical, típico do orfismo oriental, em que a convivência é apenas exterior,
podendo mesmo ser considerado um acontecimento punitivo.
"Testemunham também
os antigos teólogos e adivinhos, que por punição, a alma está ligada ao corpo,
no qual está sepultada como num túmulo" (Frag. 14 de Filolau de Crotona,
em Clemente de Alexandria, Strômata, III, 17).
Platão herdará a doutrina
radical dos pitagóricos sobre a alma, porque também para ele alma e corpo são
substâncias totalmente distintas e separadas, como o piloto e o navio pilotado.
Ainda como os pitagóricos, admitiu Platão a preexistência da alma. Esta
colocação deixa clara sua concepção do espírito como distinta do corpo. O
dualismo pitagórico apoia sua tese na consideração de que o intelecto e a
vontade não podem simplesmente ser funções do corpo. Na verdade, importa haver
uma proporção de causa e efeito. Então se o corpo for concebido apenas como
matéria corporal, não pode senão produzir efeitos corporais (ditos
ordinariamente mecânicos, ou físicos).
Aliás, no ponto de vista
aristotélico também ocorre um dualismo, ainda que moderado, por uma união mais
íntima, de composição substancial. As funções corpóreas continuam do corpo, as
psíquicas da alma. No dualismo de Aristóteles também é possível conceber a alma
como separada, ainda que incompleta, porquanto sua função natural é ser forma
substancial do corpo. Não obstante é essencialmente distinta do corpo,
porquanto é uma forma substancial. Disse mesmo Aristóteles que a alma vem ao
corpo, como que por uma porta.
O monismo propriamente
dito, - contrário tanto ao pitagorismo e platonismo, e mesmo ao aristotelismo,
- reduz corpo e alma a duas faces da mesma coisa. Neste reducionismo se salva a
proporcionalidade entre causa e efeito de todas as funções, quer do corpo, quer
da alma, porque a mesma coisa é corpo e alma. Colocadas as considerações acima,
resta bem clara a posição pitagórica, como de um dualismo de elementos bem
diferenciados, de certo modo opostos e mesmo adversários entre si. Tudo é
desenvolvido dentro do clima da oposição hostil entre matéria e espírito.
A alma como um
mover-se por si. Além de se lhe atribuir o conhecer e o querer, a alma é
definida pelos pitagóricos como aquilo que se move por si, e em consequência
como sendo princípio do movimento dos corpos.
"Ele [Álcmeon] disse
também, que a alma é imortal e se move sem cessar como o Sol" (D. Laércio,
VIII, 82).
Ter capacidade de se mover
por si e de mover o corpo, é uma atribuição generalizada que quase todos os
antigos fazem à alma, sobretudo os pitagóricos e platônicos. Que sentido tem,
dizer que a alma se move por si mesma? Mover-se está entendido aqui como
movimento mecânico. Aristóteles já dirá o contrário, que a alma é imóvel,
todavia capaz de mover a outros.
E porque atribuir à alma a
capacidade de mover a outros?
Defendeu Aristóteles que
Deus é motor imóvel, que ao mesmo
tempo é o primeiro motor de tudo o mais (Física,
VIII, 5). Depois, em outro livro, ele asseverou sobre a alma "Sem dúvida,
não só é falso conceber a substância da alma como movente, mas também é de todo
impossível que o movimento pertence à alma" (Arist., Da
alma I, 3. 406a 1).
De início já fizera
Aristóteles uma exposição histórica: "O ponto de partida de nosso estudo
consiste na exposição das características pertencentes – segundo as opiniões em
geral – à alma em decorrência de sua natureza. A alma se diferencia do não
animado, por duas características principais: o movimento e o sentir. Estes são
dois conceitos que ao antepassados transmitiram a nós sobre a alma.
Certos entre eles dizem
que a alma é por excelência e primordialmente o motor. E, no pensamento de que
o que é móvel por si mesmo é incapaz de mover uma outra coisa, acreditaram que
a alma pertence à classe das coisas em movimento. Dali vem que Demócrito
assevera que a alma é uma espécie de fogo e calor" (Arist., Da
alma, I, 2. 403b 23-32).
Depois de expor os
detalhes da teoria atomista de Demócrito, continuou Aristóteles: "Parece
também que a doutrina dos pitagóricos apresenta a mesma significação. Com
efeito, alguns entre eles declararam que a alma é o pó que se agita no ar,
outros que é aquilo que o move. Advertem que este pó está em contínuo
movimento, mesmo quando ocorre a completa calma" (Arist., Da
alma I, 2. 404a
17-20).
Continua Aristóteles, com
velada referência (no entender do seu comentarista Filopono, 71,6) a Platão,
Xenócrates e Álcmeon: "A mesma tendência é aquela dos que definem a alma
como sendo o que por si se move. Pensam todos eles, com efeito, que o movimento
é o caráter mais próprio da alma, e que toda a coisa é movida pela alma, e que
ela se move por si mesma. A razão é que não se vê nenhum motor que não seja ele
mesmo móvel" (Da alma,
404a 21-25).
Avançou ainda mais
Aristóteles: "Também Heráclito tomou a alma como princípio, porque ela é
evaporação, de que os outros seres se compõem. Ele acrescenta que este
princípio é o mais imaterial, e que ele eternamente flui. De outra parte, que o
movido é conhecido pelo movente, porque por ele e a maioria dos filósofos,
todos os seres estão em movimento. Parece que esta é a opinião de Álcmeon
[pitagórico] sobre a alma. Ele aliás quer, que ela é imortal por causa de sua
semelhança com as coisas imortais, e que estas coisas semelhantes sempre se movem,
a Lua, o Sol, os astros e o céu inteiro" (Arist., Da
alma I, 2. 405a
25-33).
As relações entre alma e
corpo não foram claramente explicadas pelos pitagóricos. Como poderia uma alma
especificamente distinta alojar-se em um corpo tão diverso? E por que motivo
entraria a alma em algo tão alheio à sua natureza? Além disto, como poderia a
alma transferir ao corpo o movimento? Tais questões, continuarão a ser um
debate em toda a filosofia futura, e vão ser motivo para tendências menos
dualistas, sem que os dualistas deixem também de ter seus defensores.
Aristóteles, critica
o conceito de alma como motor do corpo, e adverte inclusive para o que de
futuro se denominará antitipia (vd), propriedade que cada ser tem de
resistir à penetração de outro. "Eis ainda um absurdo decorrente desta
doutrina, encontrada na maioria dos que tratam da alma, porquanto eles unem a
alma e o corpo, sem esclarecer a razão desta união, nem como o corpo se
comporta. A explicação contudo é necessária. Não basta a coexistência, por que
um seja ativo e o outro passivo, para que um seja movido e outro movente.
Nenhuma destas relações pertence às coisas por acaso.
Estes filósofos somente se
esforçam por explicar a natureza da alma, mas no que concerne ao corpo que a
recebe, nada apresentam, como se fosse possível que qualquer alma, segundo os
mitos pitagóricos, penetrar um corpo qualquer. [É absurdo], porque cada corpo
tem sua forma e uma figura própria" (Arist., Da
alma, I, 3. 407b 15-23).
De uma parte, Aristóteles
tentou solucionar a união de corpo e alma por meio da teoria de matéria e
forma, em que a alma seria a forma do corpo material. E como o teria provado o
mesmo Aristóteles? De outra parte, os pitagóricos e os platônicos conceberam a
alma como espécie de matéria, ainda que de diversa espécie de matéria . De
acordo com estas concepção, as relações entre corpo e alma não seriam tão
difíceis, ainda que não sem suficiente explicação.
Em favor da união
pitagórica de alma e corpo está a teoria dos contrários, que se harmonizam
entre si (vd). Se corpo e espírito são contrários, eles podem efetivamente se
complementar e se harmonizar. A teoria da alma como harmonia,
da qual tratou Aristóteles sem mencionar os seus autores, é possivelmente de
alguns pitagóricos. O mesmo Aristóteles se refere à mesma em continuidade a sua
crítica anterior, aos mitos pitagóricos.
"Mas uma outra
opinião nos foi transferida a respeito da alma, opinião que, para muitos
filósofos, não é menos convincente que as que já temos indicado... Seus
partidários, com efeito dizem que a alma é uma espécie de harmonia, porquanto
(para eles) a harmonia é uma fusão e uma composição de contrários, e o corpo é
composto de contrários" (Arist. Da alma,I, 4. 407b 30).
Encontra-se mais, em outro
livro: "Por natureza, a música se acha entre as coisas muito doces. Há, em
nós, uma afinidade com as harmonias e os números, ao que parece.
Efetivamente, muitos
filósofos dizem unânimes, que a alma é uma harmonia. Outros dizem que tem uma
harmonia" (Arist., Política, 8, 5. 1340b).
De acordo com esta
alma-harmonia, a alma não seria um ser especial. Por exemplo, ela não seria
forma do corpo ao modo da teoria aristotélica de forma. Ela seria uma situação
resultante da harmonia de elementos contrários, assim como a saúde é o
equilíbrio das funções corporais. Eis a crítica de Aristóteles: "Mas a
harmonia é uma certa proporção de coisas misturadas, e a alma não pode ser, nem
uma e nem outra coisas. Além disto, o mover não depende da harmonia, mas da
alma, a que todos os filósofos, por assim dizer, a assinam como caráter
principal. É à saúde, e dum maneira geral, às virtudes corporais que convém
denominar harmonia, mais que à alma" (Arist., Da
alma, 408a 1-4).
A metempsicose e a
transmigração das almas é doutrina adotada desde o início pelo pitagorismo,
podendo ter tido sua origem no orfismo. De acordo com os pitagóricos, as almas
procedem da região exterior da espera, ou seja do infinito, do éter. "O
que [Pitágoras] dizia aos seus discípulos, não se conhece com segurança, em
vista do silêncio praticado entre eles. Fizeram-se conhecer especialmente as
seguintes doutrinas:
1) a afirmação da
imortalidade da alma; 2) sua transmigração de uma para outra espécie animal; 3)
dentro de certos períodos retornam os mesmos acontecimentos, de sorte que nada
existe absolutamente novo; 4) todos os seres vivos são parentes entre si.
Na Grécia tais crenças
parece que foram introduzidas pela primeira vez por Pitágoras" (Dicearco,
em Porfirio, Vida de Pitágoras, 19).
Curiosas versões dão conta
das reencarnações do mesmo Pitágoras. Ainda que o próprio texto mereça reparos,
ele reproduz pelo menos as crenças de então: "Eis aqui, segundo Heráclides
do Ponto, o que ele mesmo contou de si mesmo:
"Havia sido
antigamente Etálides, filho de Hermes; havendo prometido Hermes conceder-lhe tudo,
com exceção da imortalidade, havia pedido conservar, durante toda sua vida e
depois de sua morte, a memória de suas experiências; e, efetivamente, vivo e
morto havia conservado a recordação de todas as coisas. Havia passado em
seguida ao corpo de Euforbo e havia sido ferido por Menelau; sendo Euforbo,
dizia que ele em outro tempo havia sido Etálides, que Hermes lhe havia dado
consciência das transmigrações de sua alma, e que recordava em que plantas, em
que animais havia estado sucessivamente, o que havia experimentado nos
infernos, o que havia visto sofrer a outros.
Depois da morte de
Euforbo, sua alma passou ao corpo de Hermótimo. Este, querendo verificar que
houvera estado no corpo de Eurforbo, foi ao templo de Apolo, junto aos
Brânquidas [sacerdotes de Apolo Didimeu, na cidade jônica de Posideu] e,
entrando no templo de Apolo, identificou o escudo de Menelau, que este dedicara
a Apolo. Menelau, quando voltara de Tróia dedicou a Apolo seu escudo, agora
podre, dele restando apenas a placa.
Morto Hermótimo, passou a
Pirro, pescador de Delos, e, conservada a recordação exata do passado, se
lembrava então de haver sido primeiro Etálides, depois Euforbo, a seguir
Hermótimo, e por último Pirro. Depois da morte de Pirro, veio a ser Pitágoras,
havendo conservado as mesmas recordações" (D. Laércio, VIII, 4-5-6).
Ainda sobre a
metempsicose: "Pitágoras proibia matar os animais e com mais razão comer
sua carne. Dava como razão disto, que eles tinham uma alma como a nossa e
direitos iguais aos nossos, Não era senão um pretexto. Em realidade, ele
proibia o uso do que havia tido vida, com uma finalidade diferente: acreditava
que os homens, acostumados a uma alimentação delicada, comendo a estes
alimentos com moderação e bebendo água pura, poderiam por isso mesmo atender
mais facilmente à suas necessidade. Acreditava também que este gênero de vida
era útil à saúde corporal e ao vigor do espírito".
O único altar em que ele
oferecia sacrifício era o de Apolo gerador, em Delos, atrás do altar de Asta,
porque ali somente se oferecia trigo, tortas não cozidas, e que naquele lugar
não se imolavam vítimas, como testemunha Aristóteles, em Governo
de Delos.
Foi o primeiro a ensinar,
dizem, que a alma percorre, por uma espécie de necessidade, uma espécie de
círculo" (D. Laércio, VIII, 13-14).
Um pouco mais a frente:
"Excitou Pitágoras tal admiração que seus discípulos acreditavam
sinceramente que todos os deuses vinham conversar com ele. Manifestou ele mesmo
em seus escritos que passou duzentos e sete anos nos infernos, antes de vir a
viver entre os homens" (D. L., VIII, 14).
A imortalidade da alma, no
sentido de espírito separado do corpo material, é crença universal das
religiões dualistas. Acrescenta-se o detalhe de "espírito separado".
É que no monismo também nada morre. Todavia no dualismo a imortalidade não é
tão clara, devendo ser expressamente provada. Esta costuma fazer-se em torno da
metempsicose, e, quando não admitida esta, pelo menos em torno da
espiritualidade.
Mas é comum admitir-se no
dualismo, - ainda que não na doutrina da transmigração, - que é mortal o
princípio vital (ou alma) dos animais e plantas. "Nenhuma alma [segundo
Pitágoras] morre, nem cessa, senão durante o tempo de transmigração de uma em
outra vida" (Sêneca, Epístola 108 nr. 19).
"O discurso de
Pitágoras merece crédito – às almas dos homens restou serem imortais, revivendo
de novo alguns anos em outro corpo" (Diodoro V, 28 Schl.).
Vários cristãos dos
primeiros séculos mantinham a mesma crença dos pitagóricos sobre a
preexistência das almas. O retorno cíclico dos acontecimentos foi uma convicção
de muitos, principalmente dos pitagóricos. Hoje se fala sobre a evolução, que
não é senão uma repetição cíclica. Algumas religiões crêem sobre a repetição da
vida presente em forma de vida feliz no céu. Esta sobrevivência não é todavia
evolutiva, e sim escatológica de encerramento.
"Pode-se ficar em
dúvida, sobre se o tempo renasce, conforme o dizer de uns, ou não, conforme o
de outros. Segundo os pitagóricos, como inúmeros outros repetem, também eu
voltarei falando, com esta varinha na mão, e vós de novo sentados como agora; e
todas as outras coisas acontecerão igualmente, como se o tempo fosse o
mesmo..." (Eudemo, Física, II, 3, Frag. 51,
em Simplicio, Fiziko 732, 26).
A Ética - Pitágoras atuou principalmente como reformista moral e
político. Mas, para esta atuação partiu de princípios teóricos, os quais eram
definidos ao menos em sentenças de ordem geral, representando um sistema global
de idéias, ainda que não inteiramente acabado. Ordinariamente, os criadores de
religiões, como Confúcio, Buda, Zaratustra, Moisés, Paulo, Mahomé, não chegaram
a sistematizações englobantes, mas todos possuem uma linha central de
pensamento, que se manifestam em sentenças de sabedoria, com imagens
brilhantes.
Com referência à
Pitágoras, suas doutrinas morais fizeram-se conhecidas pela informação de
terceiros, não havendo ele mesmo escrito, conforme parece. Ainda que as outras
doutrinas de Pitágoras houvessem ganho maior desenvolvimento com os discípulos,
o que mais parece contudo pertencer a Pitágoras pessoalmente é sua doutrina
moral. Neste sentido o que de valioso restou são os assim chamados Versos
de Ouro.
Como coleção ordenada, os Versos
de ouro datam do séc.
III d.e.c., e representam a fixação definitiva de dizeres, que vinham oralmente
atravessando os tempos desde o séc. V a.e.c.. Em fragmentos diversos já vinham
sendo fixados, no curso dos séculos, e outros ainda restaram por se fixar
depois (vd D. Laércio VIII, 17; VIII, 23).
Não fosse esta fixação da
ética pitagórica, ela ter-se-ia depois perdido inteiramente, porque a
comunidade pitagórica foi progressivamente substituída pela cristã. Como
anteriormente se houvera perseguido aos cristãos, estes passaram depois a
perseguir aos pitagóricos.
Conforme o espírito geral
do pitagorismo, - a harmonia dos contrários, - a norma ética que o caracterizou
foi a moderação.
Diz um dos Versos
de ouro: "Não seja avaro. Em tudo o preferido é a justa
medida" (verso 38).
A culpa original
anterior ao nascimento, como já acreditavam as religiões orientais em geral,
faz parte também do pitagorismo. Como punição, os espíritos são introduzidos em
um corpo humano, no qual se purificam pelo sofrimento. Que o sofrimento
purifica, eis outra convicção pitagórica e que faz parte da herança de todas as
religiões antigas, mas principalmente das que acreditam na ocorrência de um
pecado original.
Ainda que não haja como
provar uma relação direta entre o sofrimento e a purificação, o sofrimento pode
contudo advertir contra aquilo que o causa. Este fato produz a incompreensão,
que o sofrimento purifica. Efetivamente, devemos sempre aspirar a felicidade, e
não o sofrimento, nem sequer para a purificação. Os ritos de purificação também
caracterizam as práticas pitagóricas, como aliás também às religiões orientais
em geral, inclusive o cristianismo.
"Diz-se que
[Pitágoras] recomendava a seus discípulos, que examinassem a sua consciência,
quando regressavam às suas casas, com as seguintes perguntas:
- Que omiti eu? - Que fiz?
- Que deveres deixei de cumprir?" (D. Laércio, VIII,22).
Com referencia à
purificação havia as coisas de que se devia fazer a abstenção, porque maculavam
pela sua impureza, e as coisas que se praticavam como rito purificador. Os mistérios,
cujo equivalente latino é sacramentos, consistiam em
cerimônias, não apenas simbólicas, mas consideradas eficazes espiritualmente.
O termo grego:(= mistério,
cerimônia religiosa secreta) deriva do verbo: (= fechar, estar com a boca e os
olhos fechados). Dali também deriva o adjetivo: (= místico, relativo aos
mistérios).
O correspondente termo
latino sacramentum, derivado de sacrum (= santo, sagrado) é mais genérico,
podendo mesmo significar juramento. Mas, em qualquer de suas acepções, é sempre
uma cerimonia ritual. O mais significativo dos mistérios praticado pelos
pitagóricos era o batismo. Outro, bastante
destacado, era o da unção do óleo aos doentes,
ou extrema unção.
Como se sabe, ambos estes
mistérios ou sacramentos subsistem entre os cristãos, e antes deles, no próprio
meio judaico, já eram praticados pelos essênios. Em sentido análogo, as
religiões antigas praticavam a purificação pela aspersão pelo sangue. Autores
cristãos falam mesmo da purificação pelo sangue de Jesus Cristo morto na cruz.
Há pois todo um contexto semântico atrás dos mistérios da crença antiga, e que
hoje mal se sente nos textos que a eles se referem.
"... Acrescenta
[Pitágoras] que não se devem tributar iguais honras aos deuses e aos heróis,
que é preciso em qualquer tempo cantar loas aos Deuses com vestes brancas e
depois de purificar-se e que basta honrar aos heróis uma vez no dia; que a
purificação se alcança com expiações, abluções, aspersões, evitando as exéquias
e os prazeres do amor, preservando-se de toda mancha, abstendo-se, em fim, da
carne dos animais mortos por eles mesmos, de algumas espécies de peixes,
melões, ovos, animais ovíparos, favas e de tudo aquilo que proíbem os que
presidem os sacrifícios dos templo.
Diz Aristóteles no tratado
sobre as Favas, que ele proibia o
uso das mesmas, já porque se parecem com as partes vergonhosas, ou também às
portas do inferno, porque é o único legume cujo desenvolvimento não tem nós, e
ainda porque secam às outras plantas, porque representam a natureza universal,
porque finalmente também se empregam para as eleições nos governos
oligárquicos.
Proíbe comer o que cai da
mesa, para habituar-se a comer com moderação, ou ainda porque isto está
destinado aos mortos. O que cai da mesa é para os heróis, segundo Aristóteles;
porque ele disse em Heróis: Não saboreai o que
cai da mesa! Proibia comer galos brancos, porque estão consagrados ao Deus Mene
[do mês] e servem para as preces e as cerimônias, nas quais somente se utilizam
animais considerados bons e puros. Estão consagrados a Mene, porque anunciam as
horas.
Proibia também os pescados
consagrados aos deuses, sob o pretexto de que não convém servir os mesmos
alimentos aos deuses e aos homens, o mesmo que não se dão idênticos alimentos
aos homens livre, que aos escravos.
Declara que o branco é
símbolo do bem e o negro do mal" (D. Laércio, VIII, 31-32).
A educação
intelectualizante caracterizou o pitagorismo. Apesar do fundo moral do grupo,
nascido sob influencia religiosa oriental, ele derivou para a teorização do que
praticava, gerando uma filosofia, e até uma ciência experimental. O saber se
torna mesmo purificador. A tendência dos grupos religiosos é a prática
meramente ascética, no sentido do desenvolvimento da virtude moral. As
comunidades religiosas surgiram no oriente, e só tardiamente passaram ao
Ocidente, onde os pitagóricos são um primeiro sinal. Também os cristãos, ao
estabelecerem comunidades religiosas no Ocidente, já as tinham no Oriente.
Contudo, mesmo no Oriente
e no Egito os sacerdotes, - nem sempre constituindo comunidades, -
desenvolveram a escrita. Como se sabe, a complicação crescente dos ritos e das
doutrinas religiosas estimulavam a isto. Mas o desenvolvimento desta prática
não tinha por objetivo a ciência em si mesma, e sim os objetivos religiosos.
Não obstante, uma religião perfeita reclama como pressuposto uma boa filosofia.
E foi assim que, finalmente, os grupos religiosos acabaram por desenvolver
também este campo do saber humano.
Neste contexto, vieram a
ser os pitagóricos os primeiros a darem à educação uma diretriz
intelectualista. Apesar de conservarem muito do saber meramente sentencioso das
religiões, ingressaram cedo para a sistemática do saber, tomado agora como um
dos objetivos da educação e formação religiosa em geral.
Os pitagóricos que
participam dos diálogos platônicos abordam efetivamente assuntos de ordem moral
à base de justificativas filosóficas sistemáticas. De acordo com uma versão
famosa, não de todo certa, Pitágoras chamou modestamente a si mesmo de filósofo,
no sentido grego de amigo da sabedoria.
"Assevera Sosícrates,
em Sucessões, que Leonte, tirano de Flionte [do
Peloponeso], lhe perguntou, quem era ele?, e este
[Pitágoras] lhe respondeu, - filósofo, - e que, comparando a vida a uma reunião
pública, acrescentou, o mesmo que em uma feira, uns vão para lutar, outros para
comerciar, e finalmente outros para ver e examinar. Também na vida uns são
escravos da glória, outros ambicionam riqueza; porém o filósofo somente busca a
verdade. Tal é o testemunho de Sosícrates" (D. Laércio, VIII, 9).
Sobre o
desenvolvimento da instrução, Árquitas de Tarento enuncia o ideal, que é o de
todos os pitagóricos: "Para aprender o que não sabemos, devemos aprende-lo
junto aos outros, ou por investigação própria. Com referência ao que se
aprende, isto vem de outros e auxílio alheio. Com referencia à investigação, a
fazemos nós mesmos e com meios próprios. Achar sem investigar é difícil e raro.
É fácil aprender, investigando. Todavia é impossível, se não se souber como
investigar" (Frag. 3, de Árquitas, em Estobeu, Antologia, IV, 1,132).
Até aqui Árquitas
destacou o conhecimento e o método de o adquirir. Continua ressaltando o
rendimento social que o conhecimento oferece: "Encontrada a razão, cessa a
rebelião e aumenta a concórdia. Não é possível competição quando a razão existe
e reina a igualdade. Por seu intermédio, os pobres recebem os poderosos, os
ricos dão aos necessitados, ambos confiados nela de que receberão o justo.
Regra e obstáculo para os injustos, ela obriga à desistência aqueles que sabem
refletir antes de operarem a injustiça, persuadindo-os a não serem omissos; aos
que não sabem, revela-lhes a sua injustiça no momento de a cometerem,
impedindo-os de a praticar" (Frag. 3, de Árquitas, Harmonia).
Sobre os costumes
morais, a doutrina pitagórica é rígida, já desde o comportamento pessoal. Com
referência ao amor, se expressa [Pitágoras] do modo seguinte: O inverno se pode
consagrar ao amor; o verão, jamais; o outono e a primavera, o uso é menos
fatigante; em todas as ocasiões, todavia, ele enerva e mata a saúde.
Perguntado sobre a época
em que se deve ceder a este sentimento, ele respondeu: "Quando vos
sentirdes demasiado fortes" (D. Laércio, VIII, 10).
Moderação nas
comidas e bebidas, eis conselho frequente de Pitágoras, não raro de mistura com
tabus populares. Lê-se em Versos de Ouro:
"Não deves descuidar
da saúde de teu corpo" (verso 32); "Antes com medida conceder-lhe a
bebida, o alimento e o exercício" (verso 33); "E chamo medida àquilo
que jamais possa prejudicar-te" (verso 34).
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Principais
Fragmentos
Versos de Ouro
1. Honra antes
que nada aos Deuses imortais, na ordem que lhes foi assinalada pela lei.
2. Respeita o
juramento.
3. Honra logo
aos heróis glorificados.
4. Venera
assim mesmo aos Gênios terrestres, cumprindo tudo aquilo que é conforme às
leis.
5. Honra
também a teu pai e a tua mãe e ateus parentes próximos.
6. Entre os
demais homens, toma por amigo aquele que se destaca na virtude.
7. Cede sempre
às palavras de brandura e às atividades salutares.
8. Não chegues
nunca, por uma culpa leve, a aborrecer a teu amigo;
9. Quando isto
te for possível; porque o possível reside próximo do necessário.
10. Saiba que
estas coisas são assim, e acostuma-te a dominar estas outras:
11. A gula
primeiramente, e o sonho, a luxúria e o arrebatamento.
12. Jamais
cometas ação alguma de que possas envergonhar-te; nem com outro,
13. Nem tu
particularmente. E, mais que nada, respeita-te a ti mesmo.
14. Pratica
logo a justiça em atos e em palavras.
15. Não te
acostumes a proceder sem reflexão em coisa alguma, por pequena que esta seja.
16. Mas
recorda que todos os homens estão destinados a morrer;
17. E chega a
saber por igual adquirir e perder os bens da fortuna.
18. A respeito
de todos os males que tem de sofrer os homens por obras dos augusto fados do
Destino,
19. Aceita-os
como sorte que tens merecido; sobreleva-os com mansidão e não te molestes por
isso.
20. Convém te
pôr-lhes remédio, na medida que esteja em tuas mãos fazê-lo. Mas pensa bem
nisto:
21. Que o
Destino evita às gentes de bem a maior parte destes males.
22. Multidão
de discursos, mesquinhos ou generosos, caem ante os homens;
23. Não os acolhas
com admiração, mas tão pouco te permitas desviar-te deles.
24. Porém se
te advertes que dizem algo de falso, sobreleva-o com paciência e mansidão.
25. Quanto ao
que te vou dizer, observa-o em toda a circunstancia:
26. Jamais
alguém, nem com suas palavras nem com sua ações, possa induzir-te a que
profiras ou faças coisa alguma que para ti não seja útil.
27. Reflita
antes de agir, para que não leves a cabo coisas insensatas.
28. Já que é
próprio dos desditados proferir ou fazer coisas insensatas.
29. Não faças
nunca, portanto, coisa alguma de que possas ter depois lugar a te afligir.
30. Jamais
empreendas coisa que não conheças; senão deverás aprender.
31. Tudo
aquilo que é preciso que saibas, com o que viverás a mais ditosa vida.
32. Não deves
descurar da saúde de teu corpo,
33. Antes com
medida conceder-lhe a bebida, o alimento, o exercício;
34. E chamo
medida a aquilo que jamais possa prejudicar-te.
35.
Acostuma-te a uma existência decorosa, singela,
36. E
guarda-te de fazer tudo aquilo que possa atrair-te invejas.
37. Não faças
gastos inúteis, como fazem os que ignoram em que consiste o formoso.
38. Tão pouco
sejas avaro: excelente é em tudo a justa medida.
39. Jamais
tomes a teu cargo empresa que possa prejudicar-te, e reflita antes de obrar.
40. Não
permitas ao doce sonho que se deslize sob teus olhos,
41. Antes que
hajas examinado cada uma das ações de tua jornada.
42. Em que
falte? Que fiz? Que omiti do que deveria fazer?
43. Principia
a recorrer tuas ações pela primeira de todas, e logo se achares haver cometido
culpas, admoesta-te; mas, se houveres agido bem, regozija-te.
44. Esforça-te
para pôr em prática estes preceitos, medita-os; é preciso que ponhas amor
neles.
45. E eles te
porão sobre a pista da virtude divina;
46. Juro-te
por aquele que transmitiu à nossa alma o sagrado quaternário,
47. Fonte da
Natureza cujo curso é eterno.
48. Não
comeces a tomar sobre ti nenhuma empresa
49. Sem pedir
aos Deuses que a terminem bem.
50. Quando
todos estes preceitos te forem familiares
51. Conhecerás
a constituição dos Deuses imortais e dos homens mortais; saberás
52. Até que
ponto diferem entre si as coisas e até que ponto se reúnem.
53.
Conhecerás, assim mesmo, na medida da justiça, que a Natureza é em tudo
semelhante a si mesma;
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